Crítica: Samurai de Olhos Azuis – 1ª Temporada

Blue Eye Samurai, EUA/Canadá, 2023



Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


Mais do que a belíssima animação e as fantásticas cenas de ação, Samurai de Olhos Azuis se destaca pela profundidade psicológica dada a sua protagonista e por uma narrativa sem pudores que combina o sangrento com o poético. Assim como nas melhores histórias de vingança, há aqui uma reflexão sobre a violência e sobre o efeito que ela tem na vida daqueles que fazem uso dela. O resultado é uma série animada que chega muito perto de ter o mesmo impacto emocional de Arcane, que já é uma das grandes obras-primas da Netflix.

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Em primeiro lugar, é interessante notar que Samurai de Olhos Azuis utiliza de forma mais que correta todas as referências obrigatórias para uma história sobre samurais. Além da óbvia influência do trabalho do diretor Akira Kurosawa, a trama também nos lembra outras animações sobre o tema, como Afro Samurai e a quinta temporada de Samurai Jack. A trágica e violenta trajetória de Mizu (Maya Erskine) também nos lembra o sangrento passado do protagonista da franquia Samurai X, que foi mostrado no filme Samurai X: A Origem.

Ao referenciar Kurosawa, a série também incorpora elementos de faroeste, gênero cinematográfico que foi fortemente influenciado pelo trabalho do diretor japonês. A combinação de estilo, violência e vingança pode ser vista tanto no recente Vingança & Castigo como no clássico faroeste espaguete Era Uma Vez no Oeste. Já a relação entre Mizu e seus “companheiros” Taigen (Darren Barnet) e Ringo (Masi Oka) lembra os relacionamentos entre o pistoleiro sem nome e seus comparsas na Trilogia dos Dólares.

A estética e a trama da série também nos leva para os clássicos cult da personagem Lady Snowblood, que são os filmes Lady Snowblood: Vingança na Neve e Lady Snowblood: Uma Canção de Amor e Vingança. Esses dois filmes, cujos visuais podem ser conferidos aqui e aqui, estão dentre os muitos que influenciaram o diretor Quentin Tarantino quando ele realizou Kill Bill, produção que também tem várias semelhanças com Samurai de Olhos Azuis.

A principal diferença entre Mizu e os protagonistas dessas outras obras é que sua vingança não é relativa a algum grande ato de violência do passado, mas sim a sua própria existência. Seus olhos azuis revelam o lado europeu de sua ascendência, o que faz com que a maior parte de seus conterrâneos japoneses a considerem uma aberração. Em uma sociedade marcada pela xenofobia, ela jamais se tornou capaz de aceitar a própria identidade.

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O verdadeiro ódio que ela sente é por si própria, o que ela canaliza como um ódio direcionado aos poucos homens brancos que existem no Japão do Século 17, já que algum deles foi o responsável por engravidar sua mãe. Sua meta é matar todos eles, garantindo assim que seu pai biológico, o homem que fez dela um “monstro”, seja punido. Em outras palavras, sua vingança é por ter nascido mestiça em um país que dava extrema importância à pureza racial.

Essa jornada de vingança a coloca no rastro de um verdadeiro vilão, o britânico Elijah Fowler (Kenneth Branagh). Sua presença no Japão só é aceita graças a um nefasto acordo com o xogum, que ele secretamente planeja derrubar e substituir por um governo essencialmente colonial. Porém, nada disso importa para a protagonista, que busca apenas a vazia satisfação da vingança.

O que a trama de Samurai de Olhos Azuis realça é o caminho autodestrutivo seguido por Mizu. Cega pelo ódio e traumatizada por algumas traições que sofreu ao longo do caminho, ela se recusa a enxergar os dramas e as necessidades das pessoas ao seu redor. Quando ela finalmente chega no topo do castelo de Fowler, ela está sem aliados, sem estratégia e sem consciência do quão machucada e enfraquecida ela está, acreditando que seu intenso ódio é o suficiente para garantir seu objetivo.

Se tivesse pensado de forma estratégica, ela contaria não apenas com a ajuda de Ringo e Taigen, mas também de Akemi (Brenda Song), uma nobre que luta para controlar o próprio destino em uma sociedade altamente patriarcal. Enquanto Mizu precisa se fingir de homem para poder ter a devida independência e liberdade de movimento, Akemi toma decisões e passa por um aprendizado que pode colocá-la no topo do poder do xogunato.

Enquanto o episódio final de Arcane conclui a história de uma forma que poderia muito bem ser o final da série, o último episódio da primeira temporada de Samurai de Olhos Azuis peca por estar mais preocupado em estabelecer ganchos para a próxima temporada do que em realmente dar uma conclusão satisfatória para essa primeira parte da trama. Se não fosse por isso, as duas produções estariam em pé de igualdade. Se a Netflix renovar a série, haverá muitas oportunidades para se corrigir essa pequena imperfeição.

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