Crítica: Assassino por Acaso

Hit Man, EUA, 2023



Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes

★★★☆☆


Apesar de ser divulgado como uma animada comédia romântica (veja acima o link para o trailer), Assassino por Acaso também é uma meditação sobre identidade, moralidade e violência. O resultado acaba sendo mais intelectualmente estimulante do que consistentemente divertido. A comédia e o romance estão presentes, mas é possível argumentar que eles não formam o prato principal da produção.

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Em alguns momentos, o filme se torna uma das aulas de psicologia e filosofia do professor universitário Gary Johnson (Glen Powell), nas quais ele mergulha em questionamentos sobre as nossas identidades e as nossas motivações. Não se trata apenas da imagem que nós temos sobre nós mesmos, mas também da distância entre a nossa autoimagem e as ações que tomamos com base em impulsos evolutivos.

É o seu interesse pela natureza humana que o leva a mergulhar de cabeça no trabalho sob disfarce que ele realiza para a polícia de Nova Orleans. O que era apenas um “bico” como técnico de som se transforma em uma pequena obsessão, com Johnson criando personagens sob medida para cada uma das pessoas que tentam contratar um matador de aluguel. Uma vez que elas entram no radar da polícia, é Johnson quem se apresenta como o “prestador de serviços”.

Porém, Johnson cruza uma fronteira ética quando seus próprios impulsos o levam a se envolver com uma das contratantes. Ao invés de permitir que ela se incrimine ao ordenar o assassinato de seu abusivo marido, ele aconselha Madison (Adria Arjona) a apenas se separar e mudar de cidade. As coisas ficam ainda mais complicadas quando ela entra em contato novamente e eles começam a ter um intenso caso de amor.

Dessa forma, Assassino por Acaso passa a explorar na prática os questionamentos morais e filosóficos feitos pelo protagonista. Em primeiro lugar, por que a bela e atraente Madison merece uma segunda chance enquanto parte das outras pessoas pegas por Johnson estão atrás das grades? Indo além, tanto o protagonista quanto a trama estudam as implicações morais e históricas da tendência humana de querer resolver problemas eliminando pessoas.

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A trama também explora a maleável natureza das nossas personalidades, mostrando como o personagem fictício que Johnson apresenta para Madison passa a influenciar sua verdadeira personalidade. Materializando uma afirmação que uma das personagens faz em determinado ponto, a identidade pessoal de Johnson não é definida pelas coisas que ele diz ser ou acredita ser, mas sim pelas suas ações concretas diante das coisas da vida.

Assim, o fato de que ele age como o fictício matador de aluguel Ron durante parte do tempo significa que ele acaba se transformando parcialmente em Ron mesmo durante seus momentos mais íntimos. Não apenas isso, mas ele também passa a exibir os mesmos trejeitos e os mesmos impulsos de Ron, inclusive em sua vida pessoal.

Aliás, a partir do momento no qual ele se envolve romanticamente com Madison, a fronteira entre sua vida pessoal e vida profissional (assim como a fronteira entre Gary Johnson e Ron) basicamente deixa de existir.

Os temas tratados em Assassino por Acaso são mais comuns em histórias de ficção científica, como em Bandersnatch, episódio especial da série Black Mirror. Os temas de autoimagem e identidade também já foram explorados em séries como Succession e Breaking Bad. Já os questionamentos éticos e morais lembram muito mais filmes como Crupiê e O Homem Ideal do que a abordagem mais nonsense de comédias românticas como Matador em Conflito e Por Uma Vida Menos Ordinária.

A trama também poderia ter abraçado seu lado mais hitchcockiano, na veia de filmes como Pacto Sinistro e Festim Diabólico, mas esse não parece ser o objetivo do diretor Richard Linklater. Assassino por Acaso é, antes de mais nada, uma homenagem ao personagem real que inspira a história. Porém, essa é uma homenagem muito mais focada em suas ideias do que nos detalhes factuais de sua vida.

Como comédia romântica, Assassino por Acaso poderia ter se beneficiado de uma trilha sonora mais animada e de um desfecho mais consistente com alguns dos elementos introduzidos durante a trama. Na prática, há perguntas que ficam sem resposta (afinal, qual é a verdadeira índole de Madison?), apesar desses detalhes não fazerem diferença diante da moralidade dos personagens e de como eles lidam com os conceitos de certo e errado.

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