Crítica: Apocalipse nos Trópicos

Apocalipse nos Trópicos, Brasil/EUA/Dinamarca, 2024



Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


Em resumo, o documentário Apocalipse nos Trópicos cobre o papel da religião na eleição e no primeiro mandato do presidente Jair Bolsonaro, passando pela pandemia de COVID-19 e indo até o momento dos ataques de 8 de janeiro de 2023. Assim como no caso de Democracia em Vertigem, também da diretora Petra Costa, há aqui algumas oportunidades perdidas, apesar disso não diminuir em nada a importância histórica desse registro do nosso tempo.

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Se tivesse mais energia e adotasse uma abordagem mais próxima do entretenimento, esse registro também serviria como um espelho para a grande massa evangélica representada nele. Porém, com a paciente, reflexiva e cadenciada narração da própria Petra Costa, a grande dificuldade seria manter o público acordado durante uma sessão. Nesse sentido, a narrativa poderia aprender com um de seus protagonistas, o pastor Silas Malafaia.

Para quem acompanhou de perto os noticiários ao longo dos últimos anos, os recortes feitos por Apocalipse nos Trópicos são bem fiéis aos seus “personagens”. Enquanto Bolsonaro é mostrado como um político que está disposto a dizer qualquer coisa em nome da popularidade, Lula aparece como uma figura geralmente sensata e altamente pragmática. Entretanto, os dois “políticos profissionais” têm seus brilhos ofuscados pelo showman Malafaia.

Com uma oratória inflamada e instigante nos palcos e nas redes sociais, Malafaia também exaure um carisma natural em entrevistas exclusivas dadas em seu escritório, em seu carro e em sua casa. Ele é um showman pregando no altar, um showman na frente das câmeras e um showman na mesa do café da manhã. Sua exposição chega a tal ponto que o documentário corre o risco de elevar ainda mais o perfil público desse personagem, complicando a vida de quem quiser enfrentá-lo apenas com boa vontade e propostas políticas.

Mas esses personagens são apenas incidentais ao tema principal de Apocalipse nos Trópicos. O documentário é muito bem-sucedido ao estabelecer conexões entre as recentes correntes teológicas neopentecostais e os recentes movimentos políticos que chacoalharam o Brasil. O que fica claro é que para uma parte da população não deveria existir uma diferença entre a autoridade religiosa e a autoridade política.

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Diante disso, não é difícil enxergar nas imagens de fervor e fundamentalismo religioso a matriz de um regime teocrático, comparável ao domínio dos aiatolás no Irã ou ao do grupo armado Talibã no Afeganistão. Para os evangélicos progressistas e moderados que possam achar essa comparação exagerada, vale lembrar que em situações como essas não são as figuras mais razoáveis e moderadas que chegam ao topo do poder. Nesses casos, os moderados ficam praticamente na mesma situação que os “infiéis”.

Também não é difícil imaginar esse tipo de fervor religioso sendo utilizado para sufocar vozes divergentes, utilizando a Bíblia Sagrada como única e absoluta fonte da verdade. Essa “fonte da verdade” é tão extensa e heterogênea que é possível selecionar e “interpretar” trechos para defender até os mais absurdos raciocínios, o que já aconteceu várias vezes ao longo da História do Cristianismo.

Apocalipse nos Trópicos também vai em busca das condições socioeconômicas que levaram boa parte da população brasileira a recorrer cada vez mais a respostas religiosas para seus medos e suas angustias. Há nas imagens colocadas na tela um semblante do sebastianismo que levou a conflitos como o da Pedra do Reino, a Guerra de Canudos e a Guerra do Contestado. Em todos esses casos, há uma população desamparada que recorre a figuras messiânicas em busca de salvação.

O que Apocalipse nos Trópicos não oferece é uma estratégia de saída para o quadro apresentado, servindo muito mais como diagnóstico de uma situação ainda em desenvolvimento. Dessa vez, a cineasta Petra Costa diminui a presença de sua perspectiva pessoal e permite que as imagens e os depoimentos se sobressaiam na construção da narrativa. O resultado é extremamente revelador mesmo para quem já vem acompanhando esses movimentos de outras formas ao longo dos últimos anos.

Assistido na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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