Deuses Antigos e Sagradas Escrituras
A História do mundo antigo é marcada por muitos textos clássicos e sagrados, mas geralmente sabe-se apenas qual povo os escreveu e mais ou menos quando isso aconteceu. A primeira pessoa a quem realmente se pode atribuir a autoria de um texto foi a poetisa Enheduana, filha de Sargão da Acádia, rei do Império Acadiano. Dentre seu trabalho, a princesa e sacerdotisa deixou quarenta e dois hinos dedicados à Inana, uma das divindades da antiga religião mesopotâmica.
O principais deuses dessa antiga religião eram os da “trindade dos céus”: Anu, Enlil e Enqui. Dentre as muitas obras nas quais são mencionados, uma das principais é a Epopeia de Gilgamexe, um conto épico que viria a influenciar muitas culturas ao longo dos milênios seguintes. Os primeiros poemas sobre o personagem, que pode ser considerado o primeiro super-herói da História, são de origem suméria, datados em aproximadamente 2300 a.C. (antes de Cristo). Porém, é provável que suas histórias já vinham sendo transmitidas há muito tempo por meio da tradição oral, sendo registradas na forma escrita apenas durante o Império Assírio.
Além de poderem ter influenciado as obras de Homero e terem várias similaridades com a história do semi-deus grego Hércules, os eventos da Epopeia de Gilgamexe também possuem paralelos com histórias contadas no Velho Testamento, como a origem do homem no Jardim do Éden. Nessa epopeia, Enquidu é uma entidade selvagem criada pelos deuses a partir do barro, com o intuito de colocar limites nas ações de Gilgamexe. Porém, Enquidu é tão selvagem que começa a causar problemas, levando os deuses a enviar Samate para seduzi-lo e civilizá-lo conforme os costumes humanos.
Outra história que já aparecia na Epopeia de Gilgamexe é a de Noé. Em sua busca por imortalidade, Gilgamexe decide consultar o imortal Utnapistim para entender seu segredo. Utnapistim lhe conta então que a imortalidade foi um presente do deus Enqui, que havia lhe dado a missão de construir uma arca e salvar as únicas pessoas e animais que seriam poupadas de um grande dilúvio. Uma explicação possível é que tanto o livro do Gênesis quanto as histórias de Gilgamexe foram influenciados por uma fonte em comum, com cada um adaptando os acontecimentos conforme as crenças dos autores.
Pelo o que se sabe sobre a datação da Bíblia, os livros mais antigos do Velho Testamento só seriam compostos por volta de um milênio depois dos primeiros poemas de Gilgamexe serem escritos. Além disso, os livros bíblicos ainda seriam traduzidos e copiados inúmeras vezes ao longo de mais de um milênio até chegarem na forma dos manuscritos mais antigos, com base nos quais se produziu as atuais versões da Bíblia Sagrada. Foi apenas com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto que se pôde atestar que o trabalho feito ao longo dos séculos se manteve relativamente fiel às versões mais antigas do texto.
O Novo Testamento, por sua vez, possui quantidade e variedade de manuscritos muito maiores do que o Velho. Ainda assim, as histórias sobre Jesus Cristo e seus seguidores só seriam escritas alguns séculos depois do início da tradição oral. E mesmo essas histórias foram compostas pelo menos décadas depois dos acontecimentos narrados nos evangelhos. Por exemplo, ao se analisar a cronologia de Jesus, percebe-se que o Evangelho de Mateus menciona o Rei Herodes, figura histórica que morreu em 4 a.C., mas também utiliza como fonte o Evangelho de Marcos, que faz referências a acontecimentos entre os anos de 65 e 73.
Os manuscritos mais antigos dos livros do Novo Testamento datam dos Séculos 2 e 3. A linha do tempo abaixo dá uma ideia do tempo que se passou entre a composição dos livros bíblicos (que pode ter ocorrido por meio de tradição oral) e a produção dos manuscritos nos quais a Bíblia se baseia. Clique na imagem para ampliar.
A antiga religião mesopotâmica também possui as raízes do surgimento de Javé, que também é conhecido como Jeová. Primeiramente, alguns estudiosos ainda defendem as conexões entre os eventos no Jardim do Éden e a lenda de Adapa, um semi-deus que era a encarnação da sabedoria. Além de Adapa e Adão serem nomes parecidos que podem ter uma origem em comum, ambas histórias envolvem um julgamento diante de um deus (no caso de Adapa, Anu) e um teste por meio do consumo de um alimento especial. No final, Adapa é enviado de volta para a Terra e traz consigo pragas e doenças para a humanidade. Sendo assim, a história da queda do homem seria uma mistura da história de Enquidu e Samete com a lenda de Adapa.
O deus original dos cananeus não era Javé, mas sim El, cujo nome posteriormente se tornaria sinônimo de “deus”. A ascensão de Javé como deus supremo de Israel (palavra que vem justamente de El) se daria depois de um longo processo de sincretismo religioso entre cananeus e israelitas. Inicialmente, Javé foi adorado ao lado de outras divindades, mas elas seriam eventualmente renegadas e Ele seria reconhecido como único Deus. Isso levou os outros deuses, como Baal, a serem vistos de forma negativa e a serem considerados “falsos deuses”.
Até a Reforma Protestante chegar, a Igreja Católica Apostólica Romana teria um longo reinado como única representante de Deus na Terra. A perseguição dos romanos aos primeiros cristãos cessaria quase totalmente com o Édito de Tolerância de Galério em 311, indicando que a nova religião começava a ser aceita entre as autoridades. O Édito de Milão daria a guinada principal, pois reconhecia que o Estado romano não mais teria uma religião oficial e nem perseguiria as pessoas com base na crença religiosa.
Em 325, o Primeiro Concílio de Niceia, convocado pelo imperador Constantino I, seria o primeiro concílio ecumênico geral da Igreja Católica. Em 380, o Édito de Tessalônica decretou o cristianismo como religião oficial do Império Romano, o que representou um retrocesso em termos de liberdade religiosa. As outras crenças, agora chamadas de pagãs, passaram a ser perseguidas da mesma forma que os cristãos eram perseguidos anteriormente. Em um intervalo de apenas 70 anos, os cristão deixaram de ser os perseguidos e se tornaram os perseguidores.
Isso se acentuaria séculos depois, com o advento das Cruzadas e a criação da Santa Inquisição, especialmente no caso da Inquisição Espanhola. Essa trajetória seria parcialmente interrompida a partir de 1517, quando Martinho Lutero deu início à Reforma Protestante. Diante dos abusos financeiros promovido pelo sistema de indulgências (alguns sacerdotes estavam praticamente “vendendo” a salvação), Lutero defendeu que apenas a Bíblia Sagrada seria uma fonte confiável da vontade de Deus. A ideia era separar os ensinamentos religiosos dos interesses políticos e econômicos da classe clerical.
Mas os interesses políticos e econômicos não ficariam separados em todas as igrejas. Em 1534, depois de uma intriga novelesca em busca de um divórcio, o rei inglês Henrique VIII separou a Igreja Anglicana da Católica, tornando-se chefe de Estado e da Igreja. Em 1604, o rei Jaime I teve que conciliar as demandas de bispos puritanos e anti-puritanos.
Teoricamente, os puritanos saíram derrotados, mas tiveram atendida a demanda de que a Palavra de Deus se tornasse diretamente acessível para o povo, sem intermediários. Para tal, o rei aprovou a produção de uma nova e revisada tradução da Bíblia para o inglês, que ficaria pronta em 1611 e seria conhecida como a Bíblia do Rei Jaime. A medida também serviu para aumentar a base de apoio ao rei, cuja vida havia sido marcada por escândalos causados por seus relacionamentos pessoais com seus favoritos. Essa nova versão influenciaria significativamente a divulgação do cristianismo nos séculos seguintes.
Os EUA contribuíram para essa divulgação com seus despertamentos e avivamentos, além de movimentos como o mormonismo de Joseph Smith Jr. e o adventismo de Ellen G. White, que ainda são considerados seitas por muitos cristãos. Esse renascer espiritual culminaria no pentecostalismo no início do Século 20. Muitas doutrinas seriam criadas e adotadas pelas igrejas evangélicas ao longo desse século, como a Teologia da Prosperidade, resultando então no neopentecostalismo, que teve início na década de 1970 e deu origem ao grande número de igrejas evangélicas que existem atualmente.