Crítica: The Rover – A Caçada

The Rover, Austrália, 2014



Western australiano faz uma pessimista viagem na escuridão da alma humana

★★★★☆


The Rover – A Caçada é daqueles filmes calmos e reflexivos, nos quais cada enquadramento é belo e profundo. Mas aqui essa calma é marcada por um pessimismo que em momento algum se ausenta. A percepção de que algo ruim está prestes a acontecer justifica apenas a tensão causada por cada cena. O pessimismo vem da percepção de que a vida daquelas pessoas já acabou; que não há esperança para elas; dias melhores não virão. Mesmo quando essa calma é interrompida de forma fria e violenta, é apenas para justificar o pessimismo que os permeia.

Em uma Austrália devastada por um colapso econômico global que essencialmente extinguiu a civilização, Eric (Guy Pearce) vaga sem rumo pelas outbacks. Atormentado por eventos do passado, é nessa terra sem lei e sem perspectivas que seus traumas encontram o ambiente perfeito para se perpetuarem. Como não é obrigado a lidar com os crimes que cometeu no passado, a raiva e o rancor permanecem à flor da pele. A ausência de um estado de direito e o fato de que as pessoas simplesmente não se importam impedem a sua redenção.

Uma vez que ele não é capaz de pagar por seus crimes, sua dívida com a humanidade jamais poderá ser quitada, e ele sempre será aquele assassino e morrerá como ele. Ao final, percebemos que tudo o que ele quer é enterrar seus mortos, seja literalmente, seja psicologicamente. A atuação dura e minimalista do experiente Guy Pearce faz toda a diferença na composição dessa personagem que fala pouco e carrega uma incrível carga emocional em um olhar muitas vezes duro e vazio.

A narrativa começa quando seu carro é roubado por uma gangue de assaltantes em fuga. Resoluto em recuperá-lo, a única pista que lhe resta sobre o paradeiro dos homens é o irmão mais novo de um deles, que ficou para trás. Rey (Robert Pattinson, também em ótima atuação) é um jovem ingênuo e com claros sinais de deficiências cognitivas características de pessoas com necessidades especiais.

A linha narrativa principal trata da jornada que os esses dois homens compartilham rumo à localização da quadrilha e da relação que surge entre eles. O rancor e pessimismo de Eric contaminam Rey, tirando-lhe a ingenuidade e transformando-o no assassino frio e indiferente que o homem errante acredita que aquela terra exige.

A segunda camada narrativa trata justamente do estrago causado pelo rancor de Eric, seja nele mesmo, seja em Rey, seja nas pessoas que cruzam o seu caminho. A violência acaba perseguindo-o, tornando a jornada ainda mais difícil. Mesmo no primeiro momento no qual Rey tenta ser mais parecido com ele, a violência sai de controle e inocentes acabam morrendo. Fica claro como o uso da violência apenas tende a piorar aquela já complicada situação.

theroverOutros pontos se destacam nessa produção. Além dos belos enquadramentos, a composição dos cenários e locações evidenciam o clima de pobreza e desolação daquele deserto. Tanto na claridade excessiva das cenas durante o dia, quanto na escuridão que os cerca durante a noite, o deserto é um importante elemento na narrativa. Sua claridade diurna também contrasta com o interior das casas e estabelecimentos, que são sujos e mal iluminados.

Além disso, muitos dos atores escolhidos para os papéis secundários tem as características físicas e étnicas dos excluídos da sociedade, o que aumenta o grau de verosimilhança das cenas em que estão. Enquanto com Guy Pearce e Robert Pattinson temos atores brancos e saudáveis caracterizados como gente pobre, alguns dos secundários passam a impressão de que aquela realmente é a vida deles, e de que realmente estão “quebrados” economicamente, emocionalmente e psicologicamente.

Um outro elemento que vale ser mencionado é o pouco valor que a vida humana possui naquele ambiente. Todas as cenas de assassinato são essencialmente de execução a sangue frio. Mesmo quando há algum conflito prévio, não há uma escalada nesse conflito que culmine com o assassinato. Há apenas a calma, a tensão e a execução. A partir de determinado momento, a tensão é constante, pois você não sabe se um dos homens vai simplesmente puxar uma arma e matar o outro.

A expectativa com The Rover estava um tanto alta, pois o filme anterior do diretor David Michôd foi o aclamado Reino Animal. Algumas das temáticas citadas nos parágrafos anteriores estão nos dois filmes, como o jovem ingênuo que é jogado em uma situação que o obriga a reagir.

Outro ponto em comum é a forma como ele mostra que decisões criminosas não são tomadas apenas por pressão econômica ou uma “maldade” inerente ao ser humano. O que temos aqui são pessoas pobres e com baixo nível educacional que recorrem aos seus instintos mais básicos quando não sabem exatamente o que fazer. Não é que eles não tenham oportunidades, mas sim que eles jamais foram educados o suficiente para vê-las ou serem capazes de aproveitá-las.

Por fim, os dois filmes também tem espaço para certos questionamentos filosóficos. Em The Rover, diante de um soldado que faz seu trabalho apenas pelo dinheiro e que, assim como ele, se entregou à uma certa forma de niilismo, Eric questiona:

“O que você sente quando acorda pela manhã? Quando seus pés tocam o chão… ou antes disso, quando você está deitado lá, pensando no momento em que seus pés tocarão o chão, o que é que você sente? Como é para você?”

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