Crítica: Caminhos da Memória

Reminiscence, EUA, 2021



Apesar do grande potencial, Caminhos da Memória está longe de ter o impacto que se poderia esperar da diretora

★★★☆☆


Escrito e dirigido por Lisa Joy, Caminhos da Memória traz consigo muitas das características não apenas da colaboração entre ela e seu marido Jonathan Nolan, mas também daquelas entre ele e seu irmão, o diretor Christopher Nolan. Enquanto o casal é responsável pela série Westworld (resenha aqui), os irmãos já trabalharam juntos em filmes como Amnésia, O Grande Truque e Interestelar. Esse novo trabalho possui pontos em comum com todas essas produções, mas jamais se torna tão empolgante ou memorável quanto elas.

caminhos da memória 2Aqui, Joy investe pesado na temática noir, apesar do filme se passar em um mundo futurístico. Quase todos os elementos típicos do subgênero estão presentes: um trágico protagonista marcado pelo passado, uma investigação impulsionada pela obsessão, uma elusiva femme fatale, uma trama relativamente complexa, uma “didática” narração em off e, inevitavelmente, flashbacks que esclarecem o mistério. O problema é que todos esses elementos já estão bem gastos e já não são suficientes para satisfazer ao público. Eles poderiam funcionar muito bem como pano de fundo para um grande filme de ação, por exemplo, mas não como a atração principal.

Há algumas cenas de ação em Caminhos da Memória, mas o verdadeiro foco da produção é a história de amor entre Nick Bannister (Hugh Jackman) e Mae (Rebecca Ferguson), que se torna uma obsessão para ele depois que ela desaparece. A investigação em si segue todos os clichês do gênero, revelando gradualmente as peças do quebra-cabeça que só será inteiramente revelado no ato final. Ainda assim, não são esses elementos que evitam que a produção tenha o impacto desejado.

A culpa por isso é de um roteiro que está o tempo todo tentando ser mais profundo e poético do que o necessário, quase se tornando repetitivo. Além disso, as falas dos personagens são tão “travadas” e marcadas por frases de efeito que prejudicam parcialmente a suspensão da descrença. A maior parte dos diálogos não funciona como conversas naturais, mas apenas como veículos que a roteirista utiliza para explicar a história ou apresentar ideias. Para piorar, a química entre Jackman e Ferguson é bem questionável, exigindo uma boa dose de boa vontade por parte do espectador para realmente funcionar.

caminhos da memória 1Algo que funciona bem em Caminhos da Memória é a ambientação, apesar dela também possuir suas imperfeições. As imagens de uma Miami parcialmente tomada pelo oceano são tão belas quanto assustadoras, mostrando um futuro possível diante da ameaça do aquecimento global. Mas algumas inconsistências se destacam.

Por exemplo, a narração diz que o calor durante o dia é tão forte que as pessoas preferem realizar atividades à noite, mas não há nenhum sinal dessas altas temperaturas durante as cenas mais ensolaradas. Além disso, morar nas cidades parcialmente inundadas deveria ser bem mais problemático do que o retratado, com a vida sendo afetada pelos movimentos das marés e pelas mudanças de estações do ano. Faria mais sentido as pessoas terem migrado para áreas mais secas no interior do continente, se é que elas ainda existem.

No geral, Caminhos da Memória tem uma produção digna de blockbuster com um roteiro que faria mais sentido como um episódio de Black Mirror. Para quem estiver interessado nas poéticas reflexões sobre a relação que temos com nossas memórias, talvez o filme seja um prato cheio. Porém, não espere algo tão profundo como Blade Runner 2049 (crítica aqui) ou A Chegada (crítica aqui).

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