As Revoluções de Westworld


* Contém SPOILERS da série Westworld

A terceira temporada de Westworld é mais focada na ação e no estabelecimento de uma nova ambientação para a história. Dessa vez, não há múltiplas linhas do tempo e nem episódios dedicados a personagens secundários. Fora do parque, o mundo da série se expande para as futurísticas e equilibradas cidades do ano 2058. Os ambientes que havíamos visto apenas de relance nas temporadas anteriores se tornam o palco principal desse novo ato. Com apenas 8 episódios, a trama se move rapidamente, com Dolores (Evan Rachel Wood) e Maeve (Thandie Newton) entrando em rota de colisão e travando violentas batalhas ao longo da ação.

O início dessa nova temporada parecia extremamente diferente, e deixava a pergunta: uma série que se passava quase inteiramente na aridez e selvageria de um Velho Oeste fictício (que sai do controle depois de um grande massacre) poderia ser transportada para um frio e controlado ambiente urbano? A resposta: aquele ambiente não permaneceria frio e controlado por muito tempo. A situação deixada pelo último episódio dessa nova leva promete colocar a série em uma situação mais próxima de suas raízes. Dessa vez, os criadores Lisa Joy e Jonathan Nolan providenciaram uma revolução um pouco mais literal do que nas temporadas anteriores.

Na primeira temporada de Westworld, somos introduzidos a uma revolução da consciência. Algumas das pessoas sintéticas (os “anfitriões”) que são a principal atração de um realista parque de diversões começam a desenvolver uma compreensão mais independente do mundo ao seu redor, não se limitando à programação definida pelos engenheiros do parque. O misterioso Homem de Preto (Ed Harris) e o enigmático arquiteto-chefe Robert Ford (Anthony Hopkins) se enfrentam em um “jogo de xadrez” em nome da localização de um elusivo “labirinto”, revelado no season finale como sendo o “labirinto da consciência” que alguns dos anfitriões podem percorrer com sucesso.

Nesse ponto, a série lida com medos que permeiam a ficção científica há várias décadas: e se a humanidade desenvolver uma inteligência artificial poderosa a ponto de se rebelar contra seus criadores? E se ela, agora consciente da própria existência, se multiplicar e se tornar a forma de vida dominante no planeta? Aliás, o simples fato de estarem conscientes já os tornam formas de vida? Eles teriam direitos tais quais seres humanos ou animais?

Isso lembra um dos questionamentos levantados recentemente na série Cosmos: Mundos Possíveis, sobre a qual escrevi aqui:

A precisão das informações surpreende porque [as abelhas] e outros insetos, com seus cérebros minúsculos, são considerados basicamente “robôs orgânicos”, criaturas sem imaginação ou vontade própria que estão “condenadas” a apenas seguirem sua programação inata.

Mas [o apresentador] questiona: sob essa definição, nós também não poderíamos ser considerados robôs orgânicos? Afinal, nós também não estamos limitados a agir de acordo com nossos instintos, nossos sentimentos e nossos pensamentos? Esses guias do nosso comportamento e da nossa imaginação também não são resultantes de reações químicas moldadas ao longo de bilhões de anos de seleção natural? O fato de que nós estamos cientes da nossa programação (como o código do DNA) muda o fato de que nós estamos limitados a ela? Afinal de contas, o que significa estar consciente?

A segunda temporada revela os grandes segredos do parque (como o fato de que seus donos estavam produzindo e armazenando cópias virtuais dos visitantes) e mostra a terra sem lei que o Velho Oeste de Westworld realmente se torna depois do massacre iniciado nos momentos finais da temporada anterior. A trama culmina com Bernard (Jeffrey Wright) trazendo a revolucionária Dolores de volta à vida para que ela complete seu plano, pois sua revolução é a chave para a sobrevivência da nova espécie. E essa fase termina com uma diáspora: os anfitriões que ainda não desvendaram o “labirinto da consciência” são enviados para um idílico mundo virtual, enquanto Dolores escapa para o mundo real com o objetivo de garantir a sobrevivência de sua espécie.

Na terceira temporada, a missão de Dolores se revela mais simples do que o esperado depois que ela descobre a fonte de toda a estabilidade daquele mundo: Rehoboam é uma poderosa inteligência artificial que traça o perfil e a trajetória de toda a população mundial. O sistema, mantido pelo vilão Serac (Vincent Cassel), estabelece uma “narrativa” para a vida de cada ser humano e manipula os acontecimentos de forma a mantê-los no caminho estabelecido. Sem saber, as pessoas vivem as suas vidas limitadas a seguir a trajetória estabelecida pela máquina.

Aqueles que não se encaixam nas narrativas, por serem muito impulsivos e imprevisíveis, como Caleb (Aaron Paul), são excluídos do “fluxo principal” sendo enviados para guerras, contratados para fazer o serviço sujo ou sofrem uma lavagem cerebral que os tornam mais “maleáveis”.

Vítima de um grande trauma durante a infância, Serac defende que a única forma da humanidade conviver pacificamente é por meio do controle absoluto da população. Essa é uma visão compartilhada por muitas pessoas em nosso mundo, a ponto de existirem os defensores de ditaduras, sejam as ditaduras das “pessoas de bem” ou do “proletariado”. É uma ideia fixa de que para o mundo funcionar equilibradamente é necessário um controlador central que gerencie a população como se gerencia os animais em uma fazenda.

Essas tendências ditatoriais são fruto de um equivocado imediatismo; da ideia de que a humanidade já deveria ter se aperfeiçoado; ou da falta de visão que evita que as pessoas enxerguem o longo caminho que ainda estamos percorrendo; ou da ideia de que, para uma sociedade dar certo, é necessário que absolutamente todas as pessoas concordem exatamente com as mesmas coisas, enquanto vozes dissonantes são silenciadas. As tentativas de imposição de uma ordem social homogênea e de supressão de comportamentos divergentes estão condenadas a apenas atrasar o processo evolutivo da humanidade. Esses esforços não passam de tentativas de se simplificar complexos corpos sociais que estão há muitos milênios em constante mutação e evolução.

Percebendo a fragilidade daquele equilíbrio, Dolores dá início a sua mais nova revolução. Dessa vez, tudo o que ela precisa fazer é ter acesso aos perfis traçados por Rehoboam e revelá-los para a população. De repente, as pessoas são jogadas em um pesadelo existencial não apenas por descobrirem que o sistema já possui uma morte prevista para elas, mas também por perceberem que todas as decisões que elas tomaram até aquele ponto de suas vidas foram direcionadas por um controlador central.

É também uma crise de identidade: se meus gostos e minhas decisões me definem, e todos eles foram estabelecidos por uma máquina, quem exatamente sou eu? Se aquela que considero ser a minha personalidade foi definida por um computador, o que realmente eu sou? Serei apenas um personagem desenvolvido por uma máquina para exercer algumas funções específicas em um mundo que está além da minha compreensão? São perguntas capazes de provocar seríssimos danos ao tecido social.

Mas, assim como as tendências ditatoriais de Serac, o ímpeto revolucionário de Dolores também está fundamentado em uma ideia fixa comum em nosso mundo: a obsessivamente apocalíptica noção de que a única forma das sociedades serem melhoradas é por meio de suas destruições e reconstruções, sempre com o custo de milhares de vidas que são interrompidas em nome de um suposto bem maior. São processos liderados por pessoas “iluminadas” que se veem no direito de tratarem vidas humanas como peões em um tabuleiro de xadrez. Mais uma vez, o imediatismo e a falta de visão se destacam.

Por mais que doenças, guerras e revoluções sejam considerados os grandes equalizadores das desigualdades sociais, isso não significa que devemos abrir mão de processos graduais de melhoria. Simplesmente esperar por esses “finais violentos” significa ficarmos passivos diante dos ciclos históricos e deixarmos a História se repetir. Há, inclusive, quem trabalhe ativamente para garantir as repetições, como se estivesse tentando construir uma ponte para o passado, ao invés de se tentar construir uma nova História, que dependa menos de grandes líderes e mais de novos paradigmas de humanidade.

Independente das implicações das revoluções do mundo real, a revolução da terceira temporada de Westworld é perfeita para estabelecer um “novo mundo” e fazer com que a série volte para um cenário mais caótico e descontrolado. Se nas duas primeiras temporadas estávamos no Velho Oeste e na terceira em um mundo futurista, talvez na quarta poderemos ver uma mistura dos dois em um mundo tão high tech quanto pós-apocalíptico.

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