Cosmos: os Mundos e as Pessoas Possíveis


Assistir a Cosmos: Mundos Possíveis durante uma pandemia pode não ser a mais relaxante das experiências. Assim como suas antecessoras (Cosmos: Uma Viagem Pessoal e Cosmos: Uma Odisséia do Espaço-Tempo), a série revela a magnitude do espaço e do tempo no qual estamos inseridos, deixando clara a nossa fragilidade e impotência diante de grandezas que mal conseguimos compreender. Ela nos lembra dos nossos defeitos, dos nossos erros e das nossas limitações como espécie. Mas ela também nos lembra de como é ter esperança o suficiente para sonhar com outros mundos e outras possibilidades de humanidade.

Mais uma vez sob a condução do astrofísico Neil deGrasse Tyson, os episódios dão ainda mais ênfase aos aspectos históricos da ciência, seja para nos mostrar a vida cotidiana de civilizações antigas ou para contar as histórias de cientistas cujas descobertas avançaram significativamente a marcha da humanidade. Alguns deles tiveram vidas repletas de dramas e tragédias, enfrentando perseguições religiosas ou políticas e morrendo sem jamais receberem o devido reconhecimento. Alguns jamais souberam que seus nomes seriam eternizados em prédios, monumentos, livros ou séries de televisão.

É o caso de Gregor Mendel, um monge agostiniano cujo trabalho seria a base para o surgimento do campo de estudo da genética, mas cuja importância só começou a ser reconhecida 15 anos após a sua morte. Apesar da falta de reconhecimento, Mendel não encontrou perseguição durante a sua vida, o que não pode ser dito sobre cientistas e estudiosos que viveram sob a sombra de regimes comunistas e fascistas.

O ucraniano Yuri Kondratyuk teorizou o método de pouso que possibilitaria a viagem do homem à Lua, mas ele o fez enquanto enfrentava guerras, doença, prisão e perseguição política na União Soviética. O geneticista russo Nikolai Vavilov, responsável por coletar um gigantesco banco de sementes, também foi obrigado a enfrentar a repressão do regime de Stalin enquanto lutava para realizar seu sonho de resolver o problema da fome no seu país. Já o norueguês Victor Goldschmidt, um dos fundadores da geoquímica, enfrentou, enganou e escapou dos nazistas ao longo da Segunda Guerra Mundial.

Mais conhecido por sua filosofia, que causou sua expulsão da comunidade judaica de Amsterdã, Baruch Spinoza também foi um exímio polidor de lentes para microscópios e telescópios, a ponto de fornecê-las para uma figura como Christiaan Huygens, que é considerado um dos maiores cientistas da História. Ao lado do astrônomo Giovani Cassini, seu nome foi eternizado na Sonda Cassini-Huygens.

As vidas desses e de outros pioneiros são lembradas ao longo dos episódios de Cosmos: Mundos Possíveis. Marie Curie, Angelo Mosso, Hans Berger, John Goodricke, Gerard Kuiper e Karl von Frish são alguns dos outros “heróis” que aparecem ao longo da série, cada um com suas peculiaridades. São pessoas que, pelos mais diversos motivos, dedicaram suas vidas em prol do avanço da humanidade.

A obsessão de Frish com o comportamento das abelhas o levou a ser uma das primeiras pessoas a decifrar a sofisticada linguagem utilizada por elas para comunicarem localizações e outras características específicas dos lugares que elas exploram. A precisão das informações surpreende porque elas e outros insetos, com seus cérebros minúsculos, são considerados basicamente “robôs orgânicos”, criaturas sem imaginação ou vontade própria que estão “condenadas” a apenas seguirem sua programação inata.

Mas Tyson questiona: sob essa definição, nós também não poderíamos ser considerados robôs orgânicos? Afinal, nós também não estamos limitados a agir de acordo com nossos instintos, nossos sentimentos e nossos pensamentos? Esses guias do nosso comportamento e da nossa imaginação também não são resultantes de reações químicas moldadas ao longo de bilhões de anos de seleção natural? O fato de que nós estamos cientes da nossa programação (como o código do DNA) muda o fato de que nós estamos limitados a ela? Afinal de contas, o que significa estar consciente?

Independente da resposta para essa última pergunta, o fato é que a humanidade tem importantes escolhas a fazer. Se comparados com o tempo de existência do Universo (utilizando o calendário cósmico), nós humanos estamos aqui há apenas uma hora e meia. O surgimento da agricultura, o fim da pré-história, a invenção da roda, a ascensão e queda de grandes civilizações ocorreram há menos de 10 segundos. A Idade Moderna só surgiu no último segundo do calendário cósmico. Nesse último segundo, nós conseguimos investigar e ter uma boa ideia do que aconteceu nos últimos 12 meses. Ou seja, nos últimos 13,8 bilhões de anos.

Todo esse conhecimento nos dá a possibilidade de acertar onde todas as outras civilizações erraram. Elas foram as pioneiras em uma arte que nós agora temos a oportunidade de aperfeiçoar. Nós sabemos ou imaginamos os erros que elas cometeram ou podem ter cometido, e não precisamos repeti-los. Tem sido uma longa e árdua jornada, mas não é aqui que ela vai acabar. E para seguir em frente, nós precisaremos ser uma civilização bem informada e racional, que está acima de conflitos egóticos e de pseudociência.

Assim como na série anterior, a influência de Carl Sagan, criador desse formato de divulgação científica, paira sobre cada um dos episódios. E dessa vez, sempre que possível, os realizadores recorrem à voz do próprio Sagan para impressionar e inspirar. É uma voz do passado que parece iluminar o caminho para o futuro. E no final do segundo episódio de Cosmos: Mundos Possíveis, essa voz parece destinada a ecoar pela eternidade:

Será que iremos nos aventurar no espaço? Mover mundos? Reformar planetas? Nos espalhar para sistemas estelares próximos? Nós que não conseguimos sequer colocar nosso planeta natal em ordem, divididos por rivalidades e ódio, destruindo nosso meio ambiente, matando uns aos outros por irritação ou inatenção, assim como por intenção mortal? E, além disso, uma espécie que até recentemente estava convencida de que o Universo inteiro foi criado unicamente para seu próprio benefício?

Eu não acho que seremos exatamente nós, com nossos atuais costumes e convenções sociais, que estarão lá. Se continuarmos acumulando apenas poder e não sabedoria, nós com certeza iremos nos destruir. Nossa mera existência nesse tempo distante exige que teremos transformado nossas instituições e nós mesmos. Como ouso imaginar como serão os humanos no futuro? É apenas uma questão de seleção natural. Se nos tornarmos apenas um pouco mais violentos, pobres de espírito, ignorantes e egoístas do que somos agora, é quase certo que não teremos futuro.

Se você é jovem, é possível que estaremos dando os primeiros passos em asteroides próximos ou em Marte durante a sua vida. Quando estivermos prontos para nos estabelecer mesmo no sistema planetário mais próximo, nós teremos mudado. A simples passagem de tantas gerações terá nos transformado. As circunstâncias diferentes sob as quais estaremos vivendo terão nos transformado. Nós somos uma espécie adaptável. Não seremos nós que chegaremos a Alpha Centauri e às outras estrelas próximas.

Será uma espécie muito parecida conosco, mas com mais de nossas qualidades e menos dos nossos defeitos; uma espécie que retornou para circunstâncias mais parecidas com aquelas das quais evoluiu; mais confiante, rica de espírito, capaz e prudente; os tipos de seres que gostaríamos que nos representassem em um Universo que, até onde sabemos, está cheio de espécies muito mais antigas, muito mais poderosas e muito diferentes.

As vastas distâncias que separam as estrelas são oportunas. Os seres e os mundos estão em quarentena um do outro. E essa quarentena só é levantada para aqueles que possuem autoconhecimento e discernimento suficientes para viajar em segurança de uma estrela para outra.

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