1923: Romance e Brutalidade no Passado de Yellowstone


Enquanto Yellowstone segue no ritmo de sempre com as intrigas internas e externas da família Dutton, o roteirista Taylor Sheridan continua voltando no tempo e mostrando as raízes dos conflitos por terra que dominam a trama. A minissérie 1883 mostrou a árdua jornada e a sofrida chegada dos Dutton no então Território de Montana. Agora, a série 1923 mostra não apenas uma das primeiras grandes batalhas que a família teve que enfrentar mas também a inesperada e romântica jornada de um Dutton pelas planícies africanas.

1923 1Prime Video · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes

As temáticas e outros elementos comuns na franquia estão todos presentes: os conflitos por terra, a opressão sofrida pelos povos indígenas, as longas jornadas por belas paisagens, a violência chocante, os diálogos memoráveis e as cenas de ação de tirar o fôlego. E mesmo com toda essa familiaridade, Sheridan consegue imbuir a trama com novidades e intensidade o suficiente para surpreender mesmo o espectador que acompanha seu trabalho desde os filmes que o tornaram famoso.

Uma dessas novidades está na representação dos povos indígenas. Enquanto em Yellowstone e em 1883 são mostradas algumas das consequências do colonialismo europeu sobre essas populações, 1923 dá ao espectador uma visão em primeira mão dos tipos de abusos e torturas pelos quais muitos indígenas passaram. Teonna Rainwater (Aminah Nieves), que provavelmente é uma das antepassadas do antagonista Thomas Rainwater (Gil Birmingham), se encontra no inferno de uma das escolas “cristãs” para jovens indígenas.

Em 2021, um grande escândalo teve início no Canadá quando múltiplos cemitérios (alguns com valas comuns) foram encontrados ao redor de escolas como essa, revelando a frequência e o volume das mortes entre os jovens e crianças “encarcerados” nelas. A violência começava já na concepção dessas instituições, que visavam apagar a cultura indígena e impor uma visão de mundo eurocêntrica sobre os povos originais da América do Norte. A operação desses locais já foi reconhecida como “genocídio cultural” tanto pelo governo canadense quanto pela Igreja Católica.

A violência sofrida por Teonna pode parecer sádica e exagerada, mas condiz com os relatos feitos pelos sobreviventes. Para piorar, além de saírem traumatizados, os jovens que conseguiam completar a “educação” nessas escolas já não conseguiam se integrar com suas comunidades originais e sofriam com o racismo nas comunidades que, supostamente, foram preparados para integrar.

1923 2Enquanto isso, na África de 1923, Spencer Dutton (Brandon Sklenar) vive não apenas uma grande aventura mas também um grande romance. Traumatizado por sua experiência na Primeira Guerra Mundial e sabendo que o que lhe espera em Montana é apenas mais guerra, ele prefere passar seus dias trabalhando como caçador, matando os grandes felinos que ameaçam as muitas obras dos colonizadores na região. Enquanto seu estilo nos lembra imediatamente o estilo de Indiana Jones, sua linha de trabalho nos leva de volta para o intenso filme A Sombra e a Escuridão.

A partir do momento no qual ele conhece a jovem aristocrata inglesa Alexandra (Julia Schlaepfer), seu lado da trama toma contornos de um avassalador romance. A química entre os dois personagens é tão contagiante que justifica todos os clichês e toda a fantasia da história de amor entre duas pessoas muito diferentes em um local belo e exótico. Além do clima de Lendas da Paixão, essa cativante e sedutora subtrama chega a níveis de erotismo até agora inéditos na franquia Yellowstone.

Mas voltando para a programação normal em Montana, os patriarcas da vez enfrentam um grupo de escoceses criadores de ovelhas que mais parecem os gangsters de Peaky Blinders. E como se todas as novidades mencionadas anteriormente não fossem o suficiente, Jacob e Cara Dutton são interpretados por ninguém menos que Harrison Ford (curiosamente, o Indiana Jones original…) e Helen Mirren. Esses dois nomes elevam ainda mais o nível de uma trama que sequer precisava de grandes estrelas do cinema.

Teoricamente, a combinação entre o romance na África, as torturas na escola para jovens indígenas e a guerra entre criadores de gado não deveria funcionar tão bem. Mas é justamente essa sobreposição de realidades completamente diferentes que dão um certo ar de vida real a essa primeira temporada de 1923.

Na incessante locomotiva dos assuntos humanos, enquanto algumas pessoas estão passando por dor e sofrimento, outras estão passando pelos melhores momentos de suas vidas. Isoladas, essas tramas oferecem apenas vislumbres parciais de certas realidades; juntas e vistas no contexto do restante da franquia, elas começam a oferecer um retrato um pouco mais completo – e, consequentemente, um pouco mais complexo – da trajetória da humanidade.

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