Yellowstone: Política, Poder e Democracia
Na série Yellowstone, é perfeitamente compreensível que o eleitorado do estado de Montana tenha escolhido John Dutton (Kevin Costner) como governador. Sua aparência, seu estilo de vida, seus valores conservadores e seu discurso oficial correspondem ao que a maioria das pessoas do local querem ver em seus líderes. Porém, sua chegada ao poder não significa necessariamente que os interesses do povo serão prioritários e nem que a democracia local será protegida.
No primeiro episódio da quinta temporada de Yellowstone, o patriarca chega ao poder e deixa claro para seus filhos: sua prioridade são os interesses da fazenda e da família, e só esses. Em determinado ponto, ele chega a dizer que vai defender o que é “certo”, independente de quem o apoie ou deixe de apoiar. Essa atitude até poderia inspirar confiança, mas o que é “certo” para uns nem sempre é o “certo” para outros.
O que Dutton acredita ser certo para o estado de Montana é o que é certo para os interesses da sua propriedade rural e do seu legado familiar. Dessa forma, apenas os interesses da sua família são levados em conta quando ele toma suas decisões oficiais. Se essas decisões beneficiam outras pessoas, ótimo. Se não beneficiam mais ninguém a não ser ele mesmo, que pena. O que fica claro é que não há um esforço para se governar levando em conta os interesses coletivos dos diversos grupos que formam a população do estado.
Talvez Dutton possua dificuldades em diferenciar seus interesses privados dos interesses públicos que ele relutantemente jurou proteger. Sua relutância em repetir o juramento oficial durante a cerimônia de posse, com uma das mãos sobre a Bíblia Sagrada, é um dos poucos reflexos de sua consciência, pois ele sabe que aquele será um falso juramento. Ele não tem a menor intenção de defender a constituição do estado e os interesses democráticos, pois só entrou na política para defender seus próprios interesses.
Mesmo quando dá o braço a torcer e começa a jogar o jogo político, ele só o faz porque sua atitude de desconsiderar os interesses dos outros não está funcionando. A democracia é um regime político baseado na representação da vontade popular e no compartilhamento de poder entre os representantes. É relativamente fácil para ele escapar da defesa da vontade popular, já que ele pode falar uma coisa publicamente e fazer outra completamente diferente nos bastidores. No caso do compartilhamento do poder, não é possível escapar tão facilmente.
A ideia das instituições democráticas e da separação dos poderes é justamente que ninguém seja o detentor único do poder. Os ramos executivo, legislativo e judiciário possuem suas atribuições e suas limitações, e nenhum deles pode agir como governante único. Assim, os três ramos do poder fiscalizam uns aos outros e estão sob as regras do estado de direito, o que pode limitar a atuação de representantes que não priorizam os interesses da população ou que priorizam os interesses de alguns grupos em detrimento de outros.
Vale lembrar que quem está ameaçando o rancho Yellowstone não são comunistas ou socialistas cheios de “boas intenções”, mas sim capitalistas em seu estado mais “avançado”. A multinacional Market Equities possui ao seu dispor vastas quantidades de dinheiro, representando um poder econômico que o novo governador pretende combater por meio do acúmulo de poder político. A empresa exerce poder por meio de doações para campanhas políticas e da ação de lobistas, mas nada disso adianta quando o governador está empenhado na direção oposta.
Esse conflito também faz de Dutton um ambientalista. Enquanto a família Dutton concentra a propriedade da terra e a explora de forma razoavelmente equilibrada, os planos da Market Equities vão cobrir boa parte da paisagem de concreto e terão várias outras consequências ambientais. Boa parte do estilo de vida que John Dutton luta para preservar depende do equilíbrio com a natureza, e não da sua destruição de forma irreversível e predatória.
Isso não faz dele um herói, mas pelo menos facilita que o espectador torça por ele em sua empreitada antiética e corrupta. No momento em que deixa claro que sua prioridade são os interesses da família, Dutton pede discrição ao motorista do carro, que responde: “Não vou dizer uma só palavra, governador, exceto o seguinte: se o seu rancho fosse meu, eu faria a mesma coisa.”