Eleições 2022: Escolhendo um Problema


Como era de se esperar, as Eleições 2022 se reduziram ao embate entre dois candidatos presidenciais que são protagonistas de muitas polêmicas e de muitas paixões. Enquanto muitos eleitores possuem intensos sentimentos de amor ou ódio por eles, outros vão apenas escolher o candidato que consideram o “menos ruim”. Esse último grupo parece ser mais objetivo e racional, mas, no fim das contas, ainda há muito pouco de objetividade e racionalidade em todas as questões humanas.

eleições 2022

Em um mundo ideal, as eleições que os países democráticos realizam para escolher seus governantes seriam semelhantes a processos seletivos para a escolha de funcionários. As campanhas seriam muito mais parecidas com uma grande entrevista de emprego do que com uma grande ofensiva de marketing. As pessoas levariam em conta atributos como formação, experiência, perfil comportamental e histórico de desemprenho, focando no que o candidato tem a oferecer e nos resultados que ele foi capaz de entregar no passado.

Porém, a realidade é que para muitos eleitores o processo eleitoral é indistinguível de uma votação para algum reality show ou de uma torcida para um time de futebol. E mesmo assim, esse processo ainda é melhor que suas alternativas. Cada um dos grupos envolvidos na vida político-econômica do país (esquerda, direita, militares, religiosos, empresários, etc.) se considera tão absolutamente certo e moralmente superior que acredita que uma ditadura que defenda seus pontos de vista não seria tão ruim assim.

Esse é um tipo de narcisismo que acompanha a humanidade desde os seus primórdios. É a crença de que eu estou tão certo que tudo o que eu fizer em nome das minhas crenças é automaticamente justificável. E dessa forma, ditaduras implacáveis escreveram a História com o sangue de opositores e de pessoas consideradas “diferentes”, sempre tentando moldar o mundo conforme alguma visão parcial e limitada da realidade.

Os processos democráticos tentam lidar com isso oferecendo ao povo um mecanismo de negociação capaz de resolver conflitos e diferenças de pontos de vista de forma civilizada e pacífica: a política. Porém, como bem sabemos, nem sempre esse mecanismo é utilizado de forma saudável e honesta, levando muitas pessoas a se ressentirem do processo político. Isso nos leva ao problema que temos nas Eleições 2022.

Bolsonaro x Lula

Por um lado, eleger Luís Inácio Lula da Silva mais uma vez significaria recompensar os vários escândalos de corrupção do Partido dos Trabalhadores (PT) e o fracasso econômico do governo Dilma Rousseff com mais um mandato capitaneado pelo mesmo grupo. Por mais que as práticas reveladas nos escândalos do Mensalão e do Petrolão não tenham sido iniciadas pelo PT (como pode ser visto aqui, aqui e aqui), esses tipos de corrupção continuaram ocorrendo tanto sob os primeiros governos Lula quanto durante o primeiro mandato de Rousseff.

Além disso, o fato de que Lula ainda é o principal nome da esquerda brasileira é um mau sinal. Enquanto a direita vem apresentando muitas novas figuras que capturam uma ampla variedade de anseios populares, os poucos novos nomes que surgiram na esquerda possuem um alcance que, em grande parte, se limita às porções mais progressistas do eleitorado. Por mais que essa “nova direita” possua uma baixa coerência interna, sua “elasticidade” permite que ela se coloque como representante dos mais diversos interesses dentro da sociedade brasileira.

Por outro lado, o primeiro mandato do presidente Jair Messias Bolsonaro foi tão ruim quanto se podia prever. Para começar, uma medida que o presidente tomou ainda nos primeiros meses de governo foi facilitar e incentivar a posse de armas por civis. Isso colocou mais de um milhão de armas nas mãos da população e facilitou o acesso de organizações criminosas aos armamentos. Ao invés de contrabandear armamentos de fora do país, os criminosos passaram a utilizar os registros de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores para ter acesso mais fácil às armas.

Por mais que essa medida tenha sido tomada com o intuito de incentivar a população a combater a criminalidade com as próprias mãos (o que já é uma motivação bem questionável), a real consequência da medida é que agora todos os brasileiros têm mais chances de sofrerem ferimentos ou perderem a vida por armas de fogo. O país tende a se aproximar cada vez mais da realidade dos EUA, país que ainda sofre com uma grave “epidemia” de tiroteios em escolas e onde várias crianças morrem ou são feridas por disparos acidentais de armas de fogo semanalmente.

O site Gun Violence Archive mantém relatórios que listam diariamente os ferimentos de crianças por disparos acidentais e as mortes de crianças por disparos acidentais nos EUA.

Fora isso, o governo Bolsonaro ainda se destacou por uma destruidora política ambiental e por uma desastrosa resposta à pandemia de COVID-19, além de impulsionar a distribuição de notícias falsas tanto via canais oficiais quanto via grupos de Whatsapp. No mais, o presidente age como um agente do caos ao constantemente questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro e sempre culpa forças externas (o alvo preferencial é o Superior Tribunal Federal – STF) pelos fracassos da sua gestão.

Eleições 2022: Uma Escolha

Diante dessas duas opções, muitos eleitores podem ficar tentados a se abster e a não participarem das Eleições 2022. Essa é uma escolha perfeitamente válida, mas não aconselhável. Por mais que os candidatos disponíveis estejam longe do que gostaríamos, a atitude mais adequada que temos é colocar as duas opções ruins na balança e avaliar quais resultados possíveis seriam os “menos ruins”. Esse é o tipo de situação na qual nós temos o “privilégio” de escolher com quais tipos de problema nós iremos lidar no futuro.

Para dar o exemplo, o Blog Infinitividades deixará seu posicionamento bem claro nos próximos parágrafos. Quem não estiver interessado, pode parar de ler por aqui mesmo.

O principal ponto da minha avaliação é que o Brasil precisa voltar a ter um governo minimamente funcional, mesmo que seja um governo do PT. Por mais que Lula possua um histórico complicado, suas gestões foram capazes de entregar resultados positivos e a efetivamente melhorar a vida de uma considerável parte da população brasileira. Isso obviamente não lhe dá o direito de participar de esquemas de corrupção, mas lhe dá uma significativa vantagem sobre o governo Bolsonaro.

Enquanto mantém seus fiéis apoiadores “distraídos” com temas ideológicos e com teorias da conspiração, Bolsonaro se mostra completamente incapaz de realmente governar o país. Apenas entre 2021 e 2022, além de tentar cortar mais verbas para a educação, o governo cortou verbas para os combates ao desmatamento, aos incêndios florestais, a doenças como a AIDS e a corrupção. Enquanto isso, o chamado orçamento secreto, que beneficia aliados do presidente, só cresce.

Em dos casos linkados acima, o presidente vetou verbas para o COAF, órgão de inteligência que havia produzido um relatório sobre as movimentações financeiras suspeitas de um dos seus filhos. Além disso, desde 2019 o governo Bolsonaro faz mudanças na Polícia Federal com o intuito de proteger aliados e familiares de investigações de corrupção.

Vale lembrar que o ex-juiz Sergio Moro, responsável pelas condenações de Lula e de outros envolvidos em escândalos de corrupção, já deixou claro várias vezes que as investigações e prisões de membros e aliados dos governos petistas ocorreram sem ingerências do próprio governo. Em outras palavras, os governos petistas não utilizaram seus poderes para inviabilizar investigações e nem ameaçaram intervir no STF para reverter decisões legais quando poderosos membros do PT foram condenados.

Nada disso torna os governos do PT exemplares, mas pelo menos mostra que se a Polícia Federal começar a investigar suspeitas de corrupção dentre petistas, não são os juízes e delegados que vão estar em apuros.

Em resumo, nas Eleições 2022, se for para ter problemas com o próximo governo, é melhor ter problemas que não causem danos irreversíveis (como é o caso do desmatamento e das mortes por doenças e por armas de fogo) e que não diminua a capacidade das autoridades de combater a corrupção no futuro. Esses argumentos provavelmente não serão o suficiente para muitos dos apoiadores de Bolsonaro, mas são o suficiente para mim, e são nos argumentos suficientes que cada eleitor deve pensar nessa brasileiríssima “sinuca de bico”.

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