Crítica: A Mulher Rei

The Woman King, EUA, 2022



Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


Ao pesquisar sobre a história real que inspirou o filme A Mulher Rei, o espectador pode se encontrar em uma situação difícil.

Por um lado, esse é um ótimo épico de drama e ação que contribui significativamente para a representação cinematográfica do poder das mulheres negras. Por outro lado, a história faz um esforço tão grande para mostrar as guerreiras Ahosi/Agojie como grandes heroínas que apaga boa parte do passado escravizador do Reino do Daomé, mostrando-o de forma muito mais benevolente do que a realidade e, aparentemente, sanitizando a história de um brasileiro que foi um dos maiores traficantes de pessoas da História.

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O revisionismo histórico é algo comum nos épicos hollywoodianos, que tendem a reduzir os complexos interesses políticos e econômicos do passado a simplistas batalhas entre o lado “do bem” e o “do mal”. Além disso, os guerreiros de outras culturas militaristas, como os gregos (especialmente, os espartanos), os romanos e os vikings são comumente representados como honrados e gloriosos, apesar de também serem genocidas e escravizadores.

Essa tendência tem encontrado contrapontos em obras recentes, como na série Bárbaros, que, apesar de também ter algumas imprecisões históricas, mostra a resistência de tribos germânicas contra o expansionismo romano. O filme O Homem do Norte também se encaixa parcialmente nessa categoria, pois faz uma representação mais realista e menos idealizada da cultura viking.

Já a minissérie Sem Limites, por sua vez, vai na direção contrária e faz um resumo mais idealizado do que realista sobre a navegação que realizou a primeira volta ao mundo. Nesse caso, pelo menos, o feito inédito realmente é digno de nota.

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As imprecisões históricas em A Mulher Rei podem ser analisadas sob o ponto de vista de um determinado personagem: o brasileiro Malik (Jordan Bolger) é apresentado como um novato traficante de escravos, ficando chocado com o tratamento dos escravizados e se tornando o interesse amoroso de uma das protagonistas. O grande problema é que o único notório brasileiro traficante de escravos que teve contato com o Rei Ghezo (John Boyega) foi ninguém menos que o baiano Francisco Félix de Sousa, o Chachá de Uidá.

O filme fala sobre o fato de que Ghezo se tornou rei graças a um golpe de Estado contra seu irmão. Isso realmente ocorreu, mas quem o ajudou na empreitada não foi a protagonista Namisca (Viola Davis), mas sim Francisco Félix de Souza, o que lhe rendeu o título de Chachá (vice-rei) da cidade de Uidá e ainda mais ganhos como traficante de pessoas. Sua história é contada no livro O vice-rei de Uidá, que serviu como inspiração para o filme Cobra Verde, escrito e dirigido por Werner Herzog.

Para mais informações sobre o Chachá de Uidá, veja o vídeo no final desse artigo.

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Imprecisões históricas à parte, A Mulher Rei possui todos os ingredientes de um grande épico hollywoodiano. Apesar da impressionante atuação de Viola Davis sempre se sobressair, a grande protagonista da produção é Nawi (Thuso Mbedu). Sua trajetória de jovem rebelde até, sob a mentoria de Izogie (Lashana Lynch), se tornar uma destemida guerreira é o principal arco narrativo da história. A Namisca de Davis só ganha mais tempo de tela quando passa a se tornar uma presença mais frequente na vida da jovem recruta.

a mulher rei 3A ação não é desenfreada, mas oferece ótimas cenas de batalha, fazendo uso de todo o treinamento e preparação física pelo qual as atrizes principais passaram. Isso colabora significativamente para a representação das ahosi como uma temível força de batalha e não deixa nenhuma dúvida sobre a capacidade das personagens. Esse fator foi importante em outras histórias inspiradas pelas amazonas do Daomé, como no sétimo episódio da série Lovecraft Country e na caracterização das Dora Milaje do filme Pantera Negra.

Para os brasileiros, A Mulher Rei traz vários elementos familiares. Além do protagonismo de portugueses e brasileiros no tráfico de pessoas escravizadas, o filme mostra as personagens fazendo referências a várias divindades da religião iorubá que também fazem parte de religiões afro-brasileiras. Há também a produção do azeite de dendê, maior aposta de Namisca para substituir o comércio de escravizados.

No geral, mesmo com os problemas na representação dos acontecimentos históricos, o filme consegue deixar clara a ligação entre a História do Benin e a História do Brasil, como evidenciada na minissérie documental Escravidão: Uma História de Injustiça.

Com suas várias subtramas, suas dramáticas reviravoltas e uma pegada de “épico das antigas”, A Mulher Rei pode ser um pouco demais para muitos espectadores. Para quem estiver interessado em uma poderosa e inspiradora trama sobre superação e empoderamento pontuada por ótimas cenas de ação, o filme é imperdível. Quanto aos elementos históricos, a produção ganha pontos por pelo menos instigar a curiosidade sobre a História do nefasto comércio de pessoas escravizadas.

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