Percepção Política


Sempre me impressiona a visão monolítica que a opinião pública em geral tem da classe política. É sempre um jogo de “nós” contra “eles”. Mais do que isso, reduz-se toda uma equipe de governo à uma única “personagem”: Rousseff, Obama, Mujica, Cameron, Hollande, Abbott. É como se cada um deles fosse um rei absolutista individualmente responsável por cada decisão do governo, ainda que eles sejam responsáveis apenas pelo poder executivo de suas respectivas nações. A opinião pública busca a simplicidade e está sempre à procura de um herói ou de um vilão para explicar sua realidade ou para culpar pelos seus problemas. Porém, essa é uma visão imprecisa e alienadora das pessoas responsáveis por um governo.

O que mais impressiona é a diferença entre o que a população exige de seu governo e o que ela exige de si mesma. Enquanto cada cidadão entende que um ser humano possui qualidades e defeitos, e pode cometer erros ou ter acertos, tais “peculiaridades” não são aceitáveis em governantes e no serviço público em geral. Se um governante comete um único erro, tal erro será explorado à exaustão por seus opositores e pela fatia da opinião pública que já não “simpatizava” com o tal governo. Enquanto em seus próprios empregos a população em geral aceita certos equívocos e prioriza a própria carreira, há a crença de que políticos e funcionários públicos deveriam ser impecáveis e priorizar sempre o bem do país/estado/município em detrimento do ganho pessoal. Esse é um pensamento nobre, mas, por enquanto, isso é inalcançável.

Para a opinião pública, um político ou um funcionário público deveria ser uma “entidade” cuja principal razão de ser é servir a população. Essa é uma visão válida filosoficamente, mas ela ignora que cada ser humano tem seus próprios sonhos, desejos, frustrações, traumas, etc. Ignora-se o fato de que um funcionário público (eleito ou concursado) é tão humano quanto qualquer um de nós. De acordo com essa visão, qualquer deslize é sinal de corrupção ou de uma mega conspiração que visa dominar o povo ou lesar o país. Não se vê tais pessoas como funcionárias de escritório que fazem o máximo possível para manter os próprios empregos, mas sempre como agentes de aterradoras forças ocultas. Mais do que isso, um presidente ou primeiro ministro é visto como um salvador ou um vilão pelos espectros mais simplistas da população. Ele é do bem ou do mal. Ou se concorda ou se opõe à tudo o que ele faz. Assim, não há espaço para uma análise crítica da atuação de um governo. É a lógica da torcida de futebol. Essa desconfiança pode estar fundamentada em problemas reais, mas a simples aversão ao mundo político não contribui em nada para o fortalecimento da democracia e acaba provendo uma plataforma para a ascensão de forças autoritárias.

Não é o caso de se dizer que não existam “forças ocultas” influenciando o governo, mas sim de se levar em conta que tais forças existem e devem ser levadas em conta quando se decide em quem votar. Obviamente, esse não é o ideal democrático que a sociedade ocidental prega, mas é a realidade “democrática” que a sociedade ocidental pratica. Em outras palavras, os funcionários públicos que compõem o governo tentam conciliar não apenas os interesses do povo e seus próprios interesses, mas também os interesses privados de corporações que exercem sua influência por meio de seu gigantesco poder econômico (ou de grupos que exercem um certo poder ideológico, como o Foro de São Paulo ou o Instituto Millenium no Brasil). Assim como um qualquer funcionário de uma empresa privada tenta defender os interesses da empresa para a qual ele trabalha, um funcionário do governo tenta defender os interesses do governo para o qual ele trabalha, ainda que ele deveria priorizar os interesses do povo que aquele governo representa. Idealmente, os interesses do governo são os mesmos que os interesses da população, mas não sejamos ingênuos; ainda assim, não podemos dizer que todos os políticos ignoram completamente os interesses da população, portanto não sejamos tão cínicos.

O mesmo raciocínio vale para o chamado “quarto poder”, a imprensa. Nenhuma revista ou jornal é totalmente imparcial. Todos tem uma linha editorial que, de uma forma ou de outra, é determinada pelos seus proprietários. Seus jornalistas podem ter liberdade para seguir essa linha de forma mais moderada ou radical, mas ficam na mesma linha. Afinal, eles também tem contas a pagar e querem manter o próprio emprego. Além disso, quando algum deles tenta manipular a opinião pública, seja omitindo alguns detalhes ou dando uma informação sob um determinado ângulo, pode não ser necessariamente uma mega-conspiração para prejudicar ou promover alguém, mas apenas um repórter tentando exercer sua cidadania e defendendo o que ele acredita ser o melhor para o país. Nada disso justifica a tal manipulação, mas entender esses detalhes é importante para colocarmos essas práticas em perspectiva e sabermos lidar de forma segura com qualquer informação publicada pela imprensa.

Fiquei ciente dessas nuances não apenas acompanhando o noticiário político, mas também assistindo sátiras políticas feitas para a televisão, especialmente as criadas e escritas pelo autor britânico Armando Iannucci. Em The Thick of It, acompanhamos o exercício do poder de dentro de um ministério do governo britânico; já em Veep temos uma perspectiva semelhante, mas a partir do escritório do vice-presidente dos Estados Unidos. As piadas e as situações são exageradas, mas os detalhes e a motivação das personagens são realistas o suficiente para reconhecermos as mesmas características em pessoas do nosso dia-a-dia. A própria comunidade política de Washington reconhece que Veep é o mais fiel retrato da classe política norte-americana, em detrimento das representações eloquentes e pomposas feitas em séries como The West Wing e House of Cards. O mérito dessas sátiras é mostrar tais pessoas não como manipuladoras maquiavélicas (apesar de tal característica estar presente) ou honradas defensoras dos princípios democráticos (bem menos presente), mas como seres humanos com qualidades, defeitos e muito poder em suas mãos.

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