Crítica: Confisco

Confisco, Brasil, 2021



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★★★★☆


Talvez Confisco não seja tão dramático ou grandioso quanto muitas pessoas gostariam, mas a produção é muito bem-sucedida em propor uma reflexão entre o passado e o futuro do Brasil. Os relatos em primeira pessoa abordam tanto a realidade dos bastidores do Plano Collor quanto os impactos sociais e psicológicos dessa fracassada série de medidas econômicas. Enquanto a ex-Ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello conta sua versão da história a partir de sua casa nos EUA, uma família da cidade de Bauru explica como sua trajetória foi completamente alterada pelos confiscos das cadernetas de poupança ocorridos em março de 1990.

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As entrevistas com economistas que participaram da elaboração do plano econômico lembram o documentário Alvorada (crítica aqui), que cobriu parte dos bastidores do processo de impeachment sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff. A diferença é que aquele documentário cobriu os eventos em tempo real, enquanto Confisco fala de acontecimentos que já estão, de uma forma ou de outra, cicatrizados no tecido social brasileiro. Ainda assim, há pessoas que jamais se recuperaram dos traumas causados naquela época.

O documentário também lembra o filme Oslo (crítica aqui), que dramatiza os bastidores de um ousado plano de paz traçado por representantes do povo palestino e emissários do governo de Israel. Assim como o Plano Collor, os termos negociados a portas fechadas fracassaram ao entrar em contato com a realidade, já que a opinião pública dos dois lados não concordava com as concessões feitas por seus representantes. No caso brasileiro, o plano econômico demandava que os proprietários de cadernetas de poupança (majoritariamente, membros da classe média para cima) abrissem mão de boa parte de seu dinheiro por longos dezoito meses.

O desespero se instaurou dentre os afetados, que, ao longo dos meses seguintes, foram solicitando resgates por motivos especiais até o ponto no qual o plano econômico simplesmente se desfez. O que Confisco deixa claro é o nível de desconexão da realidade que os autores daquele projeto econômico tinham, desconsiderando as dramáticas repercussões que o congelamento das contas teria sobre as vidas das pessoas comuns. Em determinado ponto do documentário, a própria Zélia admite: “Muita falta de tato, né? Coisa de tecnocrata.”

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Os paralelos traçados por Confisco nem precisam ser explicitamente explicados pela produção. Assim como Jair Bolsonaro, Fernando Collor de Mello foi um político que se apresentou como diferente dos outros e salvador da nação, se colocando acima dos outros poderes da República em sua busca por poder. Ele também tinha um super-ministério da economia comandado por uma pessoa que fazia promessas que ela não tinha como cumprir, assim como no caso de Paulo Guedes. Por mais que Zélia Cardoso tinha seu passado na academia e Guedes tenha seu passado no mercado financeiro, nenhum dos dois estava habilitado para gerir uma das maiores economias do planeta, especialmente em um grave momento de crise.

Informativo e reflexivo, Confisco conta com ótimas entrevistas e com um fantástico regate do material da época, com vários trechos de discursos, coletivas de imprensa, matérias jornalísticas e âncoras de telejornais dando as más notícias. As imagens do passado se misturam de forma inquietante com as imagens do presente, revelando parcialmente o grande ciclo de acontecimentos que se repetem ao longo da História brasileira.

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