1883: Yellowstone na Fronteira do Velho Oeste


Eu me lembro da primeira vez que o vi. Tentei encontrar palavras para descrevê-lo, mas não consegui. Nada tinha me preparado. Nem livros, nem professores, nem mesmo meus pais. Eu ouvi mil histórias mas nenhuma delas era capaz de descrever esse lugar. Ele precisa ser visto para ser compreendido. E ainda assim, depois de vê-lo, eu o compreendo ainda menos do que na primeira vez que coloquei meus olhos sobre ele.

O mito do Velho Oeste é revisitado em grande estilo na série 1883. Além de contar a história de como o rancho que está no centro de Yellowstone foi fundado, a trama tenta prover uma visão mais crua e brutal dos acontecimentos que marcaram aquela região e a História dos Estados Unidos. Com apenas dois episódios lançados até agora, é difícil dizer até que ponto a produção tentará desconstruir o mito. Essa ainda é uma história que romantiza o caminho para o Oeste, mas o criador Taylor Sheridan tem um bom histórico na abordagem das questões históricas (inclusive as indígenas) em seus trabalhos.

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O que esses episódios iniciais dão a entender é que essa não é uma história sobre heróis e vilões. James Dutton (Tim McGraw) está interessado apenas em prover uma vida mais próspera para sua família, e não em levar justiça ou civilização para uma terra vista como selvagem. Já Shea Brennan (Sam Elliott) e Thomas (LaMonica Garrett) aceitaram a ingrata tarefa de conduzir um grupo de imigrantes alemães pelas Grandes Planícies e pela Rota do Oregon até as regiões montanhosas ao norte. Juntos, eles partem de uma violenta Fort Worth, Texas, em direção ao Território de Montana.

Alguns o chamam de “Deserto Americano”, e outros de “Grandes Planícies”. Mas esses termos foram criados por professores em universidades, cercados pela ilusão de ordem e pela fantasia do certo e errado.

Aparentemente, boa parte dessa primeira temporada irá cobrir os vários meses dessa viagem. O principal ponto de vista adotado é o de Elsa Dutton (Isabel May), a inocente e esperançosa filha de James e Margaret Dutton (Faith Hill). É sua voz que dá vida a uma poética narração em off, traduzindo em belas palavras os sentimentos de aventura e otimismo que uma adolescente poderia ter em relação ao caminho que estava diante dela. Porém, a primeira cena de 1883 é um flashforward para um momento no qual Elsa enfrenta e mata um guerreiro indígena durante um ataque ao seu comboio.

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O guerreiro vive o suficiente para deixar subtendido que a culpa por aquele ataque não é dele, mas sim dos brancos que chegam em suas terras. Isso pode ser um prenúncio do que está por vir nos próximos episódios. Se do ponto de vista dos colonizadores brancos aquela era uma terra selvagem que precisava ser conquistada, do ponto de vista dos indígenas suas terras estavam sendo invadidas e eles estavam sendo massacrados por forasteiros violentos e impiedosos. O que para James e Elsa era uma oportunidade de aventura e riqueza, para os povos indígenas significava um genocídio.

Para conhecer esse lugar, você precisa andar sobre ele; sangrar em sua terra; se afogar em seus rios. E então seu nome se torna claro. É o inferno, e há demônios em toda parte.

Essa dinâmica é destrinchada na série documental Extermine Todos os Brutos, que analisa como a narrativa oficial sobre a conquista do oeste converteu os colonizadores brancos em “grandes desbravadores” e transformou os indígenas que já viviam naquelas terras em “maléficos vilões”. Para realmente começar a corrigir a narrativa histórica, 1883 teria que ser contada inteiramente sob o ponto de vista indígena ou, no mínimo, ter um indígena como um dos protagonistas. Porém, o mais provável é que alguns importantes personagens indígenas sejam adicionados como coadjuvantes, que é o ocorre em Yellowstone.

Mas os desbravadores do oeste também precisam lidar com outra grande ameaça: os outros desbravadores do oeste. Longe da civilização e da supervisão do Estado de direito, a única justiça à qual as pessoas recorrem é a justiça de fronteira, resultando em um grande número de execuções sumárias nesses dois primeiros episódios. Até James e Brennan, os protagonistas durões, ficam um pouco abalados quando um xerife comete uma chacina bem diante de seus olhos.

Mas se esse é o inferno, e eu estou nele… então eu também devo ser um dos demônios. E já devo estar morta.

Com uma estreia como essa, 1883 promete ao menos abalar o mito do Velho Oeste, ainda que não consiga abandoná-lo por completo. Talvez Sheridan tente aproximar a série do mundo real ao expor o lado mais humano dessas histórias. No fim das contas, são apenas pessoas lutando pelo futuro. Enquanto algumas lutam pela possibilidade de fugir da pobreza e conquistar riqueza e prosperidade, outras lutam para manter o estilo de vida e as terras que estão há várias gerações em suas famílias. Em Yellowstone, o conflito é semelhante, mas as posições dos povos indígenas e dos fazendeiros estão invertidas.

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