O Último Testamento e a Segunda Vinda


Um dos convidados da 17ª edição do festival internacional de fotografia Paraty em Foco é o norueguês Jonas Bendiksen, com seu ensaio O Último Testamento. Nele, o fotógrafo registra “profetas” de várias partes do mundo que afirmam ser uma nova encarnação de Jesus Cristo. O trabalho teve início em 2015 e foi publicado em forma de livro em 2017. Sobre ele, o autor diz:

O projeto é um convite para imaginar cada um dos pretendentes como o Único. Todas as pessoas retratadas lutam para serem levadas a sério fora de suas próprias comunidades.

Mas por que as pessoas os descartam como líderes de seita ou doentes mentais? Seus seguidores têm menos base para suas crenças do que os adeptos da religião tradicional? Onde exatamente fica a fronteira entre a fé e as ilusões? A quem concedemos o privilégio de definir o que constitui uma religião aceita?

Meu tema predominante é a mecânica da própria religião, uma força que continua a moldar a sociedade. O resultado é uma exploração que incentiva a reflexão sobre os limites da crença, ao mesmo tempo em que conta uma história única, colorida e surpreendente.

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Um comentário relativamente comum que se pode encontrar em publicações sobre seitas é que toda religião começou como uma delas. Enquanto o judaísmo parece ter resultado das várias mudanças sofridas pela Antiga Religião Mesopotâmica, o cristianismo e o islamismo resultam de ramificações do judaísmo que surgiram depois que seus profetas (respectivamente, Jesus e Maomé) se apresentaram como enviados do Deus de Abraão. Dessa forma, as figuras apresentadas no ensaio fotográfico O Último Testamento podem ser consideradas exemplos vivos de como algumas das grandes religiões surgiram.

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Figuras semelhantes deram origem a movimentos como o mormonismo (que possui origens polêmicas) e o adventismo, com profetas que surgiram no Século 19. No Brasil, líderes equivalentes ficaram conhecidos depois que seus movimentos acabaram em violência. As guerras de Canudos e do Contestado marcaram a confluência entre pobreza e messianismo, revelando assim uma das principais forças motrizes da crença religiosa.

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“Profetas” que se dizem enviados de Deus podem surgir em qualquer lugar, e geralmente são classificados pela psicologia como portadores do Complexo de Messias. Porém, eles só alcançam sucesso e dão origem a novas correntes religiosas em regiões que possuem uma demanda por esse tipo de liderança. Populações empobrecidas e desprovidas de segurança social tendem a aceitar essas figuras como líderes se suas palavras e suas ações possuem efeitos positivos na comunidade. Dessa forma, enquanto para os especialistas o “profeta” é portador de um distúrbio mental, para seus seguidores ele é um “homem santo”.

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Esse foi o caso, por exemplo, de Antônio Conselheiro, líder do povoado de Canudos. Suas palavras e sua liderança tornaram o pequeno povoado um local próspero e estável no meio do sertão baiano, a ponto de atrair muitos sertanejos pobres da região. Foi justamente a prosperidade e o crescimento que causaram preocupações nas elites locais e nacionais, levando a uma ação violenta que escalou até um completo massacre. Circunstâncias semelhantes ocorreram na região do Contestado, com os sertanejos sendo inicialmente liderados pela terceira “encarnação” dos monges João Maria.

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O caso do Contestado lembra inclusive a trama de Duna (crítica aqui), cujo protagonista é adotado como um messias graças a superstições existentes (mais especificamente, “plantadas”) dentre um povo do deserto. O terceiro João Maria se apresentou como irmão do João Maria anterior e utilizava os mesmos métodos de cura. A população local o aceitou justamente em um momento em que se encontrava desamparada, prestes a perder suas terras para uma concessão do governo federal. Ele expandiu a mitologia criada pelos monges anteriores, declarando um guerra santa contra as autoridades e prometendo um “exército encantado” para ajudar os camponeses.

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A segunda vinda de Cristo era esperada dentre os primeiros cristãos ainda nos Séculos 1 e 2. Porém, a promessa feita no final do Novo Testamento jamais se concretizou e vem há mais de dois mil anos servindo como inspiração para diferentes tipos de “profetas”. Com base nela, o poeta irlandês W.B. Yeats pinta um cenário pessimista e termina seu famoso poema A Segunda Vinda com versos sombrios:

A escuridão cai novamente; mas agora eu sei
Que vinte séculos de um sono pesado
Se tornaram pesadelo em um berço que balança,
E qual besta grosseira, finalmente chegada a sua hora,
Se arrasta em direção a Belém para nascer?

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