Top 10 2013 – 4° lugar: Therese D.


4. Thérèse D. (2012)

Thérèse se sente sufocada pelo casamento com um homem que ela não ama e resolve matá-lo. Fosse simples assim, esse filme não estaria nessa lista.

Thérèse Desqueyroux (Audrey Tautou) é inteligente e introspectiva. Ao contrário dos outros moradores de sua fazenda e das fazendas vizinhas, ela vive enfiada em livros e não tem medo de dizer o que pensa. Por isso, apesar de não concordarem com ela, todos a respeitam. Seus pensamentos a levam a lugares muito mais distantes do que a maioria ali jamais imaginou ir. Mas Thérèse não é uma questionadora. Ela vê as regras e tradições daquela França rural do início do século XX como parte da vida. Ninguém a força a se casar com o herdeiro da fazenda vizinha. Ela o faz basicamente por dois motivos: primeiro, porque, uma vez juntos, eles terão uma das maiores ou a maior propriedade da região, e Thérèse quer aumentar sua riqueza; o outro motivo é um tanto mais inusitado: ela espera que a vida matrimonial a “conserte”, que tire de sua cabeça todos aqueles pensamentos estranhos ao mundo ao qual ela pertence. Thérèse quer que o casamento mate (e não que satisfaça) a sua curiosidade do mundo exterior.

Esse casamento se torna sufocante não por causa da falta de um amor verdadeiro, ou mesmo por falta de afeto (já que seu esposo sempre demonstra um irritante amor paternal), ou mesmo por falta de satisfação sexual (satisfação essa que realmente não há). Misteriosamente, Thérèse não parece precisar de nenhuma dessas coisas. O que ela realmente precisa é de estimulo intelectual, alguém com quem ela possa conversar sobre coisas mais profundas do que pinheiros, terras e caças.

Ela precisa de conversas e rotina mais interessantes, e de ideias que a desafiem. E é daí que surge a tentativa de assassinato. Veja bem, Thérèse não tem um plano para escapar dessa situação, e não é em busca de liberdade que ela tenta matar o marido. No fim das contas, parte dela nem quer ser tão livre assim e nem quer vê-lo morto. Ela o faz porque tem a oportunidade. Dessa forma, alguma coisa minimamente interessante passa a acontecer naquela casa. Basicamente, ela o faz para sair da rotina. Tudo bem, a vontade de se ver livre daquele homem e daquela vida chata está lá inconscientemente, mas em momento algum ela racionaliza em relação a isso. Em determinado momento, quando questionada sobre o motivo, ela responde com um comentário: “Você sempre sabe o motivo dos seus atos.” Ela não.

O que se vê nesse filme é Thérèse falhando em ser a mulher que a sociedade e o matrimônio exigem que ela seja. Ela quer ser essa mulher, ela tenta, mas não consegue. Thérèse não é uma boa mentirosa, ela não consegue blefar. Ela pode até mentir para si mesma e para os outros, mas seus atos não mentem. Curiosamente, encontramos a antítese de Thérèse na divertida comédia Blue Jasmine, que também está entre os melhores que assisti em 2013. A Jasmine do título é puro blefe. Ela faz o máximo possível para não ter uma só gota de autenticidade. Ela precisa tornar real a narrativa de mulher casada, rica e sofisticada ao qual se propõe. Quando essa narrativa é ameaçada, ela perde o controle, pensa apenas em si e toma atitudes destrutivas para todos ao seu redor. Em sua histeria, Jasmine fica cega pela frustração e não mede as consequências de seus atos. Esse é um Woody Allen triste e obrigatório.

Mas voltando à Thérèse: essa é a segunda adaptação cinematográfica do livro de François Mauriac. A primeira é de 1962 e um tanto diferente dessa nova. Enquanto Audrey Tautou tenta expressar por meio de gestos e olhares as angustias de Thérèse, no primeiro a própria personagem narra em off o que ela está pensando e sentindo. Li uma crítica que considera o primeiro um tanto melhor justamente por essa explicação, não ficando satisfeita com a atuação de Tautou. Fui conferir. Nesse, o clima sombrio é um tanto mais pesado, mas a narração realmente deixa tudo muito bem explicado. E é justamente por isso que prefiro a nova adaptação: por Thérèse estar limitada a gestos e olhares, o telespectador pode ele mesmo tentar decifrá-la, ou até completá-la com partes dele próprio. No final, seu entendimento de Thérèse diz muito mais sobre você do que sobre a personagem que o filme tenta apresentar.

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