Crítica: Operação Red Sparrow

Red Sparrow, EUA, 2018



Filme até funciona como thriller, mas não como thriller de espionagem

★★☆☆☆


Um dos aspectos mais notórios das histórias de espionagem é como os profissionais da área estão dispostos a explorar quaisquer fraquezas humanas apresentadas pelos seus alvos. Não existe nada sagrado: carência afetiva, dificuldade financeira, desejo sexual, problemas de saúde mental, dentre outros, são todos exploráveis em nome da missão a ser realizada. A tarefa do agente é oferecer algo que o alvo queira/precise ou ameaçar algo que ele tem. Uma vez identificada a vulnerabilidade, basta os operadores oferecerem uma forma de suprir aquela necessidade ou chantagear o alvo para que ele colabore com a missão.

Essa é uma das poucas características do mundo da espionagem que Operação Red Sparrow representa corretamente. Se fosse um filme de espionagem focado na ação (como os exagerados Salt e Atômica), a história apresentada seria boa o suficiente. Porém, para um filme que pretende ser sério e adulto, o roteiro é demasiado falho e sem sentido. Apesar de ser baseado em um livro escrito por um ex-funcionário da CIA, a história parece ignorar quase tudo o que se sabe sobre as táticas dos “mestres-espiões”, ainda que mostre alguns de seus métodos.

Talvez isso tenha ocorrido porque a história não é realmente focada no mundo da espionagem, mas sim no calvário pelo qual sua protagonista passa. Dominika Egorova (Jennifer Lawrence) é uma ex-bailarina russa que, graças a algumas vulnerabilidades, é manipulada e recrutada pelo tio Vanya Egorov (Matthias Schoenaerts) para trabalhar para o serviço secreto do país. Destacada para extrair informações do agente da CIA Nate Nash (Joel Edgerton), ela acaba se tornando uma agente dupla entre os dois serviços. No processo, ela é violentada, torturada e degradada de formas que podem ser chocantes para os não iniciados nesse universo.

As falhas no roteiro aparecem quando a protagonista começa a apresentar habilidades e inteligência incompatíveis com o “treinamento em sedução” que ela recebe parcialmente da Matrona (Charlotte Rampling) da Escola de Sparrows. Mesmo com certa habilidade inata para a manipulação, não é razoável que ela, uma iniciante, consiga manter “no escuro” profissionais de inteligência de duas potências do ramo. Para que isso funcione em tela, o roteiro acaba representando esses profissionais como incrivelmente incompetentes, tomando repetidas decisões equivocadas e ignorando claros sinais de que algo está muito errado.

Em outras palavras, ao focar na história de empoderamento da protagonista, o que funciona apesar de certas ressalvas, o roteiro acaba deixando de lado os pormenores do mundo no qual ela está inserida. No mundo real, uma pessoa que se encontra na posição de Dominika durante uma operação de inteligência seria um soldado raso descartável e, até certo ponto, substituível, ao invés de uma peça fundamental da trama. Além disso, seria muito pouco provável que a primeira missão oficial da agente seria seduzir um experiente profissional de inteligência do lado inimigo, que possui todas as habilidades e ferramentas necessárias para expor seu disfarce e recrutá-la, que é exatamente o que acontece.

Mesmo a narrativa de empoderamento feminino funciona de forma parcial em Operação Red Sparrow. Por mais que a protagonista seja inteligente e independente a ponto de montar sozinha uma elaborada armadilha para se vingar do grande responsável pelos abusos sofridos, esses abusos acabam fazendo parte do erotismo do filme para uma parte da audiência. Apesar das cenas explícitas, o filme parece não ter estômago para mostrá-los ocorrendo de forma inquestionavelmente repugnante, como ocorre com muitas mulheres da vida real que fizeram ou fazem parte desse mundo. Um crítico chegou a chamar o filme de “uma fantasia masculina de uma história de empoderamento.”

O filme também tenta recriar o clima de Guerra Fria nos moldes do Século XX, o que gera um certo anacronismo, já que a história se passa pelo menos nos anos 2000. Seria mais adequado explorar uma história de espionagem mais próxima dos tempos atuais, como o uso de softwares maliciosos para sabotagem ou vigilância em massa. O caso atual mais notório é o da influência da Rússia na eleição americana, que usou medidas de desinformação em massa e contatos com assessores da campanha de Donald Trump para influenciar as eleições do país mais rico e poderoso do mundo. Além de explorar as vulnerabilidades do público em geral, a operação russa explorou as dificuldades financeiras de pessoas próximas ao então candidato e possíveis informações comprometedoras do próprio Trump.

Além das falhas já mencionadas, o roteiro não se esforça para escapar de clichês óbvios, como a morte acidental de uma personagem chave por atropelamento. O maior deles é a representação dos agentes ocidentais como moralmente superiores aos agentes russos, noção que já foi desconstruída em inúmeras outras obras do gênero, especialmente as de John Le Carré. O filme tenta ser tão inteligente quanto as obras desse autor, mas não chega nem perto do nível de adaptações como O Espião Que Sabia Demais ou O Homem Mais Procurado. A grande maioria dos filmes de espionagem mais sérios são protagonizados apenas por homens, tendo como raras exceções A Hora Mais Escura e A Grande Mentira, ambos com a atriz Jessica Chastain.

Apesar do grande elenco, que inclui Jeremy Irons e Mary-Louise Parker, e da ótima performance de Jennifer Lawrence, Operação Red Sparrow representa uma oportunidade perdida de se fazer um grande filme de espionagem, seja no modelo mais sério e realista, ou seja do tipo focado na ação. O filme ainda funciona como thriller, especialmente graças a dedicação de Lawrence e a algumas cenas pontuais, como a improvisada e brutal cena de tortura e assassinato perto do fim da projeção. Porém, isso não será o suficiente para o espectador mais exigente.

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