Crítica: Cursed – A Lenda do Lago – 1ª Temporada
Cursed, EUA, 2020
Série apresenta uma repaginação envolvente e curiosa da lenda do Rei Artur
★★★☆☆
A primeira temporada de Cursed: A Lenda do Lago poderia ter mais ação e menos episódios, mas ainda assim consegue prover uma visão interessante e envolvente da lenda do Rei Artur. O grande destaque dessa reimaginação não é o fato de que ela é contada sob o ponto de vista da Dama do Lago, Nimue (Katherine Langford), mas sim os vários aspectos políticos que são adicionados e que refletem questões atuais do nosso mundo.
A série, desenvolvida por Frank Miller e Tom Wheeler em paralelo com a graphic novel original, claramente se inspira na fórmula de sucesso de Game of Thornes e inclui uma intrincada trama de disputa por poder entre candidatos ao trono da Inglaterra. A surpresa é que isso funciona melhor do que o esperado, a ponto das intrigas e reviravoltas serem boas o suficiente para manter o espectador interessado no desfecho da situação.
Mas os aspectos políticos mais relevantes estão em outra parte da trama. Ao longo da história, Nimue se preocupa menos com o destino da Excalibur do que com o destino dos povos feéricos dos quais ela faz parte. A série os mostra como vítimas de uma chocante campanha de limpeza étnica promovida pelos Paladinos Vermelhos sob a liderança do Padre Carden (Peter Mullan). É uma história de extremismo, racismo e fanatismo religioso que já se repetiu em vários momentos da História da humanidade.
O mundo de Cursed: A Lenda do Lago é bem fantasioso (o que permite, inclusive, a escalação de um elenco bem diverso), misturando fatos históricos de diferentes períodos com conhecidos elementos do folclore europeu. Ainda assim, a perseguição sofrida pelos feéricos lembra tanto a perseguição que os povos celtas sofreram do Império Romano quanto os genocídios de povos indígenas promovidos por europeus nas Américas (sobre os quais já escrevi aqui). Além disso, a violência dos Paladinos Vermelhos dá origem a grandes grupos de refugiados em busca de abrigo, o que lembra a atual crise de refugiados em andamento no mundo. Sendo assim, os horrores como os mostrados na série estão longe de serem fantasiosos.
Outro ponto de interesse é descobrir como Miller e Wheeler vão conduzir a história até chegar aos míticos Cavaleiros da Távola Redonda e aos outros conhecidos personagens do Ciclo Arturiano. Além de Arthur (Devon Terrell), pelo menos três outros cavaleiros são apresentados nessa temporada: Percival, Gawain (Matt Stokoe) e Lancelot. Já Merlin (Gustaf Skarsgård) tem um papel central na história, a ponto de poder ser considerado um outro protagonista, ao invés de apenas mais um coadjuvante. Um dos arcos dramáticos mais amplos e interessantes é o da Irmã Igraine (Shalom Brune-Franklin), que parece destinada a se tornar a feiticeira Morgana.
Ao misturar todos esses personagens em uma história que se passa antes da lenda do Rei Artur, os autores fazem mudanças significativas na mitologia (como juntar Igraine e Morgana em uma única personagem, além de dar o título de Cavaleiro Verde para Gawain), o que ajuda a manter a imprevisibilidade da história. Tudo indica que a Távola Redonda que será formada como resultado dos eventos de Cursed: A Lenda do Lago será bem diferente daquela das lendas originais. O mesmo vale para a Dama do Lago, já que a Nimue aqui apresentada é o verdadeiro centro gravitacional dos acontecimentos.
Cursed: A Lenda do Lago deve agradar ao espectador que se deixar levar pela fantasia e pela trama política, sem se importar com alguns detalhes fora do lugar, como uma certa inconsistência nos poderes da protagonista. A série tem mais a ganhar se investir mais na ação e na fantasia nos estilos de The Witcher e Warrior Nun (crítica aqui) do que se investir pesado no lado Game of Thrones de sua trama.