Crítica: A Pior Pessoa do Mundo

Verdens verste menneske, Noruega/França/Dinamarca/Suécia, 2021



Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


Existem alguns motivos pelos quais A Pior Pessoa do Mundo pode decepcionar parte do público. O primeiro deles é que a partir de determinado ponto a vibe de “comédia romântica alternativa” é substituída por uma completa vibe Ingmar Bergman, com monólogos dignos de Morangos Silvestres ou O Sétimo Selo. A estrutura do filme e a trajetória da protagonista lembram inclusive alguns dos grandes sucessos de Fellini, deixando a obra mais próxima de filmes como A Doce Vida ou Oito e Meio do que de produções como Lady Bird ou Frances Ha. Obviamente, para quem gosta de Bergman e Fellini isso não é um problema.

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Uma outra decepção possível está no fato de que a protagonista não é tão ruim assim. Julie (Renate Reinsve) é apenas uma indecisa jovem de vinte e tantos anos que não sabe exatamente para onde sua vida está indo. Personagens assim já foram representadas em filmes como E Sua Mãe Também e Era Uma Vez Eu, Verônica, mas aqui há algumas novidades. A maior delas é que o diretor Joachim Trier consegue incorporar todas essas diferentes abordagens (inclusive as mencionadas no parágrafo anterior) em uma obra surpreendentemente coesa e satisfatória, por mais que não ofereça respostas fáceis para as muitas questões levantadas.

A mistura de indecisão e narcisismo que marca a personalidade de Julie faz com que muitos jovens que atualmente estão em sua faixa etária se identifiquem com suas dúvidas e anseios. Ela realmente acredita que pode viver a vida instintivamente, apenas seguindo seus sentimentos e jamais tentando entendê-los, como se tivesse aversão à inteligência emocional. Ela sempre quer mais: mais vida, mais amor, mais conexões reais e sem filtros. Isso faz com que Julie pareça ser uma versão menos “extrema” da protagonista de Ninfomaníaca, que em determinado ponto do Volume 1 diz:

Talvez a única diferença entre eu e as outras pessoas é que eu sempre exigi mais do pôr-do-sol; mais cores espetaculares quando o Sol atinge o horizonte. Talvez esse seja o meu único pecado.

Até aí, A Pior Pessoa do Mundo é realmente uma ótima comédia sobre relacionamentos, com a protagonista realizando suas fantasias românticas e improvisando seu caminho para a felicidade. Porém, na segunda metade da projeção, a realidade começa a estragar sua improvisação. Em primeiro lugar, o estado de plena satisfação que ela esperava jamais chega, pois sempre há inseguranças e outras questões que ela nunca consegue resolver, como seu relacionamento com seu pai. Além disso, ela começa a perceber os efeitos que suas impulsivas decisões têm sobre as vidas de outras pessoas, com uma situação específica a obrigando a enxergar o mundo sob um outro ponto de vista.

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Nesse momento, o filme faz seu movimento mais arriscado, abandonando o ponto de vista da protagonista e dando voz para as dúvidas e anseios de um homem mais velho, cujos pontos de vista são mais comumente associados com ideias de masculinidade. Essa é uma forma válida de fazer a personagem perceber que seu “mundo mágico” não é o único mundo que existe e que outras pessoas podem estar passando por experiências bem diferentes ao seu redor.

Porém, o roteiro também deixa subentendido que um dos motivos pelos quais Julie é (ou se sente) “a pior pessoa do mundo” é que ela nega um pouco de felicidade àquele frustrado personagem. Há algo terrivelmente manipulador nisso, especialmente pela condição na qual o personagem se encontra. Por mais que as atitudes dela tenham sido, de certa forma, egoístas, ela não poderia ser responsabilizada pelas projeções que uma outra pessoa tinha sobre ela. Se fizesse isso, ela estaria abandonando seus sonhos (por mais vagos e irreais que eles fossem) para realizar os sonhos do parceiro.

Talvez o que Julie aprende ao longo desse processo de amadurecimento é que ela poderia ter tomado decisões mais conscientes e planejadas, ainda que isso não seja tão “mágico” quanto ela gostaria. Diante do privilégio de suas várias opções (o que nem todo mundo tem), o importante não seria tomar a decisão “certa” (o que, geralmente, não é possível saber de antemão), mas sim se comprometer com algum caminho e lidar com suas consequências, sempre deixando espaço para “manobras”. No final, o principal resultado da indecisão de Julie é que suas opções vão ficando cada mais limitadas e ela acaba “comprometida” com uma vida que não é bem o que ela esperava.

Diante das várias referências citadas, é possível dizer que A Pior Pessoa do Mundo já foi feito antes, mas com outros enfoques ou para outras gerações. Um dos grandes méritos dessa produção é fazer isso para a geração atual, incorporando uma grande gama de dúvidas e inseguranças que marcam os adultos do Século 21. Inclusive, essa trama pode servir como introdução para filmes que falam especificamente de cada um dos temas tratados, permitindo que o espectador mais curioso vá mais fundo em cada um deles. Há, por exemplo, filmes como A Filha Perdida (sobre a relutância na maternidade) e O Homem Ideal (sobre relacionamentos e solidão), além de vários filmes sobre a vida e a passagem do tempo.

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