Crítica: A Filha Perdida

The Lost Daughter, EUA/Grécia, 2021



Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes

★★★☆☆


Sempre que alguém tenta suprimir a dúvida, há tirania.

Os temas tratados em A Filha Perdida são profundos e muito relevantes, mas a narrativa lenta, longa e, às vezes, desfocada não facilita a comunicação com o espectador. Por mais que, isoladamente, cada cena seja perfeitamente atuada e dirigida, a montagem geral da produção não permite um engajamento constante por parte do público. Para quem se satisfazer com uma atuação magistral de Olivia Colman em cada cena, esse filme é um grande presente; para quem precisar de um algo a mais, pode ser difícil manter a atenção.

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Era de se esperar que a trama ficasse mais envolvente a partir do momento em que Leda (Olivia Colman) presta atenção na jovem mãe Nina (Dakota Johnson) e começa a se lembrar de suas próprias ansiedades em relação à maternidade. Porém, esse envolvimento maior só se concretiza na segunda metade de A Filha Perdida, quando os flashbacks mostrando uma jovem Leda (Jessie Buckley) ficam mais frequentes e extensivos. Ao longo da trama, há o mistério do porquê Leda se sente tão culpada e ressentida, mas ele não é intrigante o suficiente para se sustentar em meio aos vários desvios narrativos.

Claramente, ela se sente culpada por não ter sido a mãe perfeita que ela gostaria de ter sido ou que o restante das pessoas esperava que ela fosse. Inicialmente, a natureza de sua “falha” não fica clara, mas é fácil notar que, para ela, a maternidade está longe de ser a “benção divina” que deveria ser. A questão é que uma parte significativa das nossas sociedades vê nisso uma terrível falha de caráter, pois toda mulher teria a obrigação moral não apenas de ser mas também de gostar de ser mãe.

O que Leda encontra na maternidade é a solidão de uma responsabilidade que, aparentemente, ela tem a obrigação de gostar e ninguém tem a obrigação de compartilhar. Enquanto seu marido se vê no direito de priorizar a carreira em detrimento da paternidade, ela não sente que tem o mesmo direito de escolha. O que se espera dela é a completa supressão de todos os outros aspectos de sua existência, inclusive sua sexualidade, em prol da criação de suas duas filhas. Enquanto para muitas mães a maternidade é simplesmente uma benção (ou, pelo menos, elas tentam se convencer disso), para Leda é uma situação que gera muitas dúvidas e insatisfações.

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No filme O Fio Invisível, a protagonista fala de como sua filha está o tempo inteiro em sua mente e em suas preocupações, como se houvesse um “fio invisível” entre elas, com a mãe sempre tentando diminuir o comprimento desse objeto. Para Leda, essa conexão é quase uma prisão, pois esse “fio” tem o poder de evitar as muitas outras conexões possíveis em sua vida. Leda está muito mais próxima da protagonista de Bantú Mama, que se encontra em circunstâncias nas quais precisa exercer uma relutante maternidade.

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Se Bantú Mama, que também é bem introspectivo, flui de forma mais satisfatória é porque cada uma das cenas daquele filme se conecta de forma clara com o tema principal da produção. Talvez isso também ocorra no romance que inspirou A Filha Perdida, mas a linguagem cinematográfica geralmente é incapaz de reproduzir o nível de detalhamento possível na literatura. Talvez uma narração em off ajudaria a tornar cada uma das cenas mais profunda e mais significativa, mas isso também poderia tornar o filme mais denso do que ideal.

O fato é que a diretora Maggie Gyllenhaal poderia ter feito um melhor uso da “tesoura” na sala de edição, reduzindo a duração de A Filha Perdida a eficientes noventa minutos. A atual versão de duas horas provavelmente será muito mais satisfatória para quem já leu a obra original e está ciente de muitos outros detalhes sobre a vida e sobre os pensamentos de Leda. Ainda assim, a produção consegue abordar os temas principais de forma satisfatória, além de representar uma ótima estreia na direção por parte de Gyllenhaal e um fantástico show de atuação por parte de Colman.

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