Crítica: Amores Materialistas

Materialists, EUA, 2025



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★★★★☆


Apesar de ser divulgado como uma típica comédia romântica na qual a “mocinha” precisa se decidir entre dois pretendentes, Amores Materialistas está muito mais interessado em dissecar a lógica dos relacionamentos amorosos no Século 21. O resultado não é tão profundo quanto se poderia esperar, mas o filme ainda serve como uma envolvente crônica sobre as muitas variáveis envolvidas na escolha de um parceiro ou parceira. Mesmo com um desfecho que realça o ponto de vista da diretora Celine Song, a narrativa traça uma trajetória que pode ser utilizada para sustentar diferentes conclusões.

amores materialistas

A idealização do amor romântico nos diz que, em determinado ponto, nós vamos conhecer alguém por quem vamos nos apaixonar perdidamente e ao lado de quem nós iremos passar o resto de nossas vidas. É um processo que envolve química, compatibilidade e alguma sorte. Porém, para a casamenteira profissional Lucy (Dakota Johnson), esse é um processo acima de tudo matemático, com estatísticas como idade, renda, nível de escolaridade e altura sendo muito mais importantes do que aquele “certo sei-lá-o-quê“.

Em Vidas Passadas, a roteirista e diretora Celine Song explora a distância entre uma história de amor que se encaixa perfeitamente na idealização romântica (os amigos de infância que se apaixonam e que passam a vida inteira juntos) e uma história de amor mais comum e pragmática (uma escritora se apaixona e se casa com um colega de profissão). Não há indecisão, mas sim um sentimento de luto pela “perfeita” história de amor que poderia ter se materializado se as circunstância tivessem sido diferentes.

Já em Amores Materialistas, um dos principais pontos explorados é a tensão causada por aspectos financeiros na vida amorosa das pessoas. Seguindo a sua lógica, Lucy deveria ficar mais do que satisfeita com o relacionamento que ela acaba de começar com o ricaço Harry (Pedro Pascal), já que ele é um pretendente perfeito em sua profissão. Porém, os sentimentos dela pelo ex-namorado John (Chris Evans), que mal consegue se manter financeiramente, lhe causam um alto nível de dissonância cognitiva. Ela lida então com a distância entre a realidade que ela quer e a realidade que ela acha que deveria querer.

Assim como o roteiro de A Pior Pessoa do Mundo é duro com sua protagonista, o roteiro de Amores Materialistas desaprova os pontos de vista de Lucy. Porém, é possível argumentar que as preocupações com os aspectos financeiros de um relacionamento são perfeitamente válidas. O amor romântico pode ser muito bom, mas não é suficiente para garantir o bem-estar do casal e de seus possíveis filhos. Não é que esse deveria ser o principal critério, mas ele certamente não deve ser completamente ignorado.

Por outro lado, o risco que se corre é de que o parceiro ou parceira seja visto como, antes de mais nada, uma fonte de estabilidade financeira. Isso pode levar a níveis problemáticos de dependência, com muitas pessoas escolhendo permanecer em relacionamentos abusivos devido à falta de independência financeira.

amores materialistas dakota johnson e pedro pascal

O outro grande tema levantado por Amores Materialistas é como a seleção de parceiros na vida real está cada vez mais similar à seleção de parceiros em aplicativos de relacionamento, com as pessoas sendo tratadas como se fossem personagens de vídeo games. Os clientes de Lucy, por mais que estejam solitários ou mesmo desesperados, chegam com longas listas de atributos que seus potenciais pretendentes devem ter. Para eles, é como se a casamenteira tivesse acesso a infinitas pessoas solteiras ou fosse capaz de “montar” o pretendente perfeito para cada um.

Não é que as pessoas não deveriam ter critérios, mas sim que elas poderiam estar abertas a conhecer pretendentes que não se encaixam perfeitamente em suas “fantasias”. Na vida real, os casamentos duradouros não são aqueles nos quais as pessoas se encaixavam perfeitamente nas fantasias uma das outras, mas sim aqueles nos quais o casal aprendeu a lidar com as diferenças entre eles ao longo do tempo. No geral, o amor romântico dificilmente é o principal motivo pelo qual um casamento dura décadas.

Além disso, muitos dos critérios escolhidos pelas pessoas não estão relacionados com compatibilidade ou mesmo estilo de vida, mas sim com a projeção de uma determinada imagem. Nesses casos, o parceiro ou parceira acaba sendo muito mais um “acessório de moda” do que realmente um companheiro de vida. Essa lógica também está relacionada com as pressões que homens e mulheres sofrem para se encaixar em padrões de beleza, com eles tentando ficar mais altos e atléticos e elas tentando ficar mais magras e com feições mais “padronizadas”.

O que muitos estudos sobre a felicidade nos dizem é que nós somos muito ruins em prever o que nos fará felizes, o que nos leva a focar em critérios ou objetivos que dificilmente serão tão recompensantes quanto imaginávamos. Geralmente, a felicidade é encontrada em momentos e em experiências muito menos grandiosas ou dramáticas do que havíamos esperado.

amores materialistas dakota johnson e chris evans

A dissecação realizada por Amores Materialistas sobrepõe apenas os aspectos sentimentais com os aspectos sociais dos relacionamentos, sem ir muito fundo na dimensão sexual. O filme reconhece a existência de aspectos econômicos e sociais, além de mostrar uma traumática situação que a “matemática” de Lucy não tinha como prever ou evitar. Muitos outros aspectos poderiam ser explorados, mas isso provavelmente deixaria o filme demasiadamente inflado.

É por isso que Amores Materialistas pode ser complementado por outros filmes recentes sobre sexualidade e relacionamentos. Além do já citado A Pior Pessoa do Mundo, há produções como História de um Casamento e Jogo Justo que apresentam outros lados dessa mesma moeda. Já o lado sexual é realçado em produções como Rivais e Anora, além dos problemáticos relacionamentos de Love Lies Bleeding e Babygirl. Há ainda os filmes que imaginam como a inteligência artificial influenciará esses cenários, a exemplo de O Homem Ideal e Acompanhante Perfeita.

Ainda assim, Song acerta ao manter o escopo do filme centrado na trajetória de Lucy, mostrando como a realidade vai desconstruindo o seu cinismo. Dessa forma, a diretora desconstrói a atual lógica de relacionamentos apenas para reconstruir um determinado aspecto dessa lógica: o ideal de amor romântico.

As outras opções seriam mostrar o casamento como uma aliança financeira entre pessoas ou famílias, como evidenciado em filmes de época como A Época da Inocência, Orgulho e Preconceito e Amor & Amizade; ou o casamento como um vínculo diante da lei e diante de Deus. Porém, Song prefere mostrar o casamento como um gesto de amor romântico; ou como uma promessa de fidelidade e amor eterno; ou como a proposta de se construir uma vida e de envelhecerem juntos.

Ao invés de apenas utilizar as convenções sociais como fonte de humor para oferecer uma típica comédia romântica, Amores Materialistas questiona essas convenções em diferentes graus de profundidade. É por isso que o filme deve desagradar tanto aos espectadores que esperavam algo mais convencional quanto àqueles que esperavam uma completa “destruição” dos temas abordados. A trama oferece uma experiência muito mais intelectual do que sentimental, apesar de garantir que a “mocinha” tenha o seu final feliz.

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