Crítica – Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out
Wake Up Dead Man, EUA, 2025
Netflix · Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Para quem já assistiu a uma grande quantidade de histórias de detetive, a longa introdução de Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out já dá claras pistas sobre quem será o grande culpado e sobre algumas das curvas que o roteiro irá fazer ao longo do caminho. Ainda assim, esse novo filme consegue ser o melhor da franquia, contando uma história que não se limita a ser um mistério de detetive e que faz profundas reflexões sobre a moral humana e sobre a crença religiosa.
Assim como ocorreu com Poirot em A Noite das Bruxas, o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) é desafiado pelos aspectos aparentemente sobrenaturais do mistério da vez. O assassinato do Monsenhor Wicks (Josh Brolin) ocorre em condições nas quais aparentemente nenhum ser humano poderia ter realizado o ato, deixando o “diabo” como principal “suspeito” para parte de seus seguidores. Porém, para a polícia, o principal suspeito é o jovem Padre Jud (Josh O’Connor), assistente que tinha uma rivalidade com Wicks.
O Padre Jud também acaba exercendo o papel de assistente para Blanc, em uma dinâmica bem similar ao que ocorreu nos filmes anteriores (Entre Facas e Segredos e Glass Onion). Essa é a combinação mais interessante dentre os três filmes, já que também serve para confrontar o ceticismo ateu e pessimista de Blanc com a fé misericordiosa e otimista do Padre Jud. O roteiro de Rian Johnson mergulha nesse lado religioso sem abandonar as temáticas centrais da franquia.
Se em Glass Onion Johnson realçou a estupidez dos bilionários que se sentem muito inteligentes e que possuem grande influência sobre o nosso mundo, em Vivo ou Morto o diretor e roteirista realça o uso da religião como uma ferramenta de poder e acúmulo de riqueza. A ganância desenfreada também foi um dos temas centrais em Entre Facas e Segredos, com uma afluente família brigando entre si para garantir a posse da herança deixada pelo patriarca assassinado.
Talvez a maior diferença entre Vivo ou Morto e os filmes anteriores é que dessa vez os personagens secundários possuem bem menos desenvolvimento. Eles são muito bem apresentados na narração que dá início ao filme e servem muito bem aos seus propósitos, mas a narrativa jamais se aprofunda neles de formas tão detalhadas quanto às dos filmes anteriores. O foco aqui está muito mais na dinâmica entre Blanc e o Padre Jud do que no conjunto de personagens, o que não é necessariamente um problema.
Parte dos questionamentos religiosos existentes em Vivo ou Morto surgem a partir da atuação de sua grande vítima. O Monsenhor Wicks não é um padre calmo e compreensivo, mas sim um pregador agressivo, vingativo e raivoso. Seu perfil está mais próximo dos líderes abusivos mostrados em documentários como A Queda e Rezar e Obedecer do que do perfil de um genuíno clérigo cristão. Indo além, ele trata sua igreja como uma propriedade pessoal e faz questão de humilhar parte de seus congregados.
Sua “liderança” é feita com base no medo, na intolerância e na intimidação. Isso faz com que ele mantenha um pequeno e fiel núcleo de seguidores, com todos eles temendo represálias e sendo incapazes de questionar as ações do Monsenhor. Wicks mantém esse pequeno grupo sob o seu controle tanto para obter vantagens financeiras quanto para alimentar seu ego, apresentando todos os sinais de uma personalidade autoritária.
Conforme vai conhecendo esse lado mais abusivo do Monsenhor Wicks, o detetive Benoit Blanc poderia ter a sua visão negativa da religião comprovada e reforçada. Porém, durante a investigação, Blanc também está conhecendo o Padre Jud mais a fundo, entrando em contato com o que há de mais benevolente e esperançoso na fé religiosa. Jud não está tentando exercer poder ou ter ganhos pessoais por meio da batina, mas sim provendo acolhimento e direção para pessoas perdidas e fragilizadas, como ele já foi um dia.
Quando se conhecem, Blanc e o Padre Jud entram em um pequeno duelo teológico, marcado por uma cinematografia que faz um interessante jogo de luz e escuridão.
Por um lado, Blanc não consegue esconder seu desdém pelas mitologias religiosas que ajudaram a justificar a intolerância, o preconceito e grandes atos de violência ao longo da História da humanidade. Porém, o Padre Jud aponta que, mesmo se essas histórias forem fictícias e tenham sido utilizadas de formas perniciosas, elas ainda representam um esforço genuinamente humano no sentido de defender a justiça, a humildade, a honestidade e o amor ao próximo.
Dessa forma, Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out nos oferece não apenas um mistério de assassinato, mas também reflexões sobre o mistério da fé. Além disso, o filme também representa uma elaborada jornada cinematográfica, fazendo uso de diversos estilos narrativos para conduzir o espectador por uma trama que ganha contornos quase épicos ao desafiar tanto a inteligência quanto as crenças do espectador e de seus personagens.









