Crítica: Histórico Criminal
Criminal Record, Reino Unido, 2024
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★★★★☆
Nessa primeira temporada, a série Histórico Criminal faz uma interessante “investigação” do trabalho das forças policiais na multicultural cidade de Londres. Ainda que o mistério e os dramas centrais nos remetam a séries como True Detective e Mare of Easttown, a trama também se aprofunda em temas como racismo, corrupção, machismo e vieses cognitivos, nos fazendo lembrar das abordagens de séries como Mayor of Kingstown e A Cidade é Nossa. Dessa forma, a narrativa de Histórico Criminal faz uma incrível combinação do que há de melhor nesse gênero televisivo.
Em uma noite qualquer na cidade de Londres, uma ligação de emergência dá início a uma sequência de eventos que pode afetar as vidas de todos os seus moradores. Por um lado, a detetive June Lenker (Cush Jumbo) vê nas informações recebidas fortes indícios de que o presidiário Errol Mathis (Tom Moutchi) pode ser inocente do crime pelo qual foi preso. Por outro lado, o detetive originalmente responsável pela investigação do caso, Daniel Hegarty (Peter Capaldi), não está nem um pouco impressionado com as novas informações.
Esse desacordo coloca os dois investigadores em uma intensa rota de colisão. Com o auxílio de fantásticas atuações de Jumbo e Capaldi, esse conflito é o principal responsável por manter um constante clima de tensão ao longo da narrativa. Os dois protagonistas fazem uso das mais diversas (e questionáveis) artimanhas para provarem que estão certos e fazer com que o assunto tenha o desfecho que eles gostariam que tivesse.
Esse envolvente conflito acaba revelando os vieses e as dissonâncias cognitivas dos dois personagens. Enquanto Lenker passa a acreditar com certa convicção que Mathis é inocente, Hegarty precisa acreditar que ele é, sem sombra de dúvida, culpado. Deste modo, os dois protagonistas protegem suas visões de mundo e a integridade de suas autoimagens. No caso de Hegarty, isso significa colocar uma pedra sobre o assunto e fingir que tudo continua bem.
No caso de Lenker, que é uma mulher negra, a série mostra como sua tendência de sempre analisar os acontecimentos sob um ponto de vista racial também pode acabar distorcendo a realidade. Por mais que em muitos casos ela estará correta ao ter esse tipo de desconfiança, há também aqueles casos nos quais existem outras motivações ou outras explicações para os eventos investigados. Quando recorre de forma rápida e instintiva a explicações de cunho racial, ela acaba excluindo de seu campo de visão todas as outras possibilidades.
Ainda assim, a trama de Histórico Criminal também mostra que sua “paranoia” é bem compreensível. Além de ser mãe de um garoto negro que pode ser vítima do racismo institucional das forças da lei, ela também se sente isolada quando fala sobre o assunto com seu marido, Leo Hanratty (Stephen Campbell Moore), que é um homem branco. Por mais que ele esteja ciente desse tipo de problema, seus instintos o deixam com a tendência de acreditar que, se o garoto jamais fizer algo errado, a polícia jamais irá incomodá-lo.
Dessa forma, Histórico Criminal também realça a incerta fronteira entre as vidas pessoal e profissional dos agentes da lei. Enquanto presenciam diariamente as fragilidades dos nossos tecidos sociais, eles precisam lidar com entes queridos que muitas vezes se colocam em situações nas quais ficam à mercê de um mundo que pode ser visto como cruel e impiedoso. Obviamente, essa combinação é suficiente para prejudicar a objetividade e a imparcialidade de qualquer pessoa.
Além disso, os investigadores também precisam lidar com a pressão para resolver casos e apresentar os resultados exigidos por seus superiores, por políticos e pela sociedade em geral. Para manter a sensação de lei e ordem, a justiça precisa ser rápida e definitiva, mesmo quando as provas e testemunhos não permitam esse tipo de certeza. Essas pressões acabam incentivando decisões que, ao invés de prezar pela imparcialidade e pela presunção de inocência, prezam pela rapidez na resolução e pela preservação da imagem das instituições.
Um ponto central que Histórico Criminal nos lembra é que as nossas instituições só podem ser tão boas quanto as pessoas que fazem parte delas. Isso torna ainda mais preocupante as infiltrações de grupos extremistas em forças policiais do Brasil, dos EUA e da Europa. Uma das consequências dessas tendências, que já foram abordadas em séries como Watchmen e The Boys, é o aumento da desconfiança entre os cidadãos comuns e os agentes da lei que são pagos para protegê-los.