The Boys: Uma Temporada de Fascismo


*Contém SPOILERS da terceira temporada de The Boys

Na terceira temporada de The Boys, várias das ações de Homelander/Capitão Pátria (Antony Starr) foram claramente inspiradas na versão Século 21 de um antigo tipo de movimento político: o fascismo. Na atualidade, o termo é de difícil definição, dependendo muito do ponto de vista adotado. Porém, há uma série de características facilmente reconhecíveis, especialmente por lembrar acontecimentos históricos da Alemanha e da Itália em seus momentos fascistas.

the boys temporada 3

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Para começar, o Capitão Pátria é um típico líder fanático. Suas muitas inseguranças resultam em uma personalidade paranoica e controladora. Como compensação pelas dúvidas que tem em relação a si próprio, ele tem a necessidade de exercer uma autoridade ditatorial e se considera inquestionável. Como se isso não bastasse, ele precisa deixar claro para as pessoas ao seu redor que ele é o mais forte e que ele pode matar quem quiser, quando quiser.

Até a terceira temporada, esse seu lado ficava escondido do público em geral, pois tanto ele quanto a corporação Vought estavam focados em projetar a imagem de um super-herói bonzinho que quer apenas ajudar a população. Porém, essa máscara cai no segundo episódio dessa temporada, com o Capitão deixando claro que ele realmente se considera melhor e superior a todos os outros seres humanos. Porém, ao contrário do que todos esperavam, sua popularidade começa a subir depois do explosivo discurso.

Os olhos de Todd (Matthew Gorman), um típico cidadão mediano, brilham durante o discurso do Capitão. Ele já era um grande admirador do super-herói, mas aquele discurso o deixa em êxtase. O Capitão Pátria parece estar vivendo o sonho de Todd: o de ser uma pessoa super-poderosa e não ter que levar em conta os pontos de vista de mais ninguém.

Ele é o melhor, ele é imbatível, ele não precisa negociar nada e nem ouvir as outras pessoas. O Capitão está vivendo a fantasia de muitas pessoas comuns de exercer poder absoluto, de poder fazer o que bem entender sem consequências e sem ter que seguir as regras e convenções sociais. Sem ter que ser politicamente correto. Enfim, um sonho narcisista.

Quando essa fantasia se materializa para Homelander, é como se ela se materializasse para o próprio Todd.

Um líder fascista não é nada sem a parcela da população que o apoia. Ainda na segunda temporada, Stormfront/Tempesta (Aya Cash), uma nazista das antigas que se torna neonazista, explica a lógica do fascismo no Século 21:

Você não consegue mais conquistar o apoio do país inteiro. Ninguém consegue. Então por que você está tentando? Você não precisa que 50 milhões de pessoas o adorem. O que você precisa é de 5 milhões de pessoas com muita raiva. A emoção vende, a raiva vende.

A manipulação das massas por meio do medo e da raiva é outra típica característica do fascismo. Com isso, fica fácil criar um clima de polarização e isolar a população em facções divergentes e incomunicáveis. Feito isso, também é possível desumanizar o “outro lado” e justificar a violência contra quem pensa diferente.

Para isso, o Capitão Pátria conta com a ajuda das redes de comunicação de propriedade da Vought, especialmente com o canal de “notícias” que muito se assemelha à Fox News. Na rede, o Capitão pode negar que há um perigoso vilão à solta e pedir para que os jornalistas falem de assuntos mais “agradáveis”, de forma semelhante a como alguns líderes nacionais tentaram negar a gravidade de uma pandemia.

E quando Starlight/Luz Estrela/Annie (Erin Moriarty) se volta completamente contra o Capitão, ela se torna alvo de fake news. Para desviar a atenção e desacreditar as acusações da heroína, o Capitão Pátria começa a encorajar mentiras e teorias de conspiração contra a personagem, utilizando técnicas como as apresentadas no documentário Depois da Verdade: Desinformação e o Custo das Fake News.

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A trajetória do Capitão Pátria ao longo da terceira temporada lembra a trajetória dos líderes anti-democráticos do mundo atual. O Capitão vai testando os limites da população, dizendo e fazendo coisas que deveriam fazer a sua popularidade cair e verificando se ela realmente cai. O discurso no qual afirmou sua superioridade aumenta a sua popularidade. As acusações feitas por Annie e o vídeo que ela transmitiu com o Capitão confessando crimes e fazendo ameaças não parece ter maiores consequências.

Na cena final da temporada, ele mata uma pessoa bem diante de seus apoiadores. Por um instante, ele teme que aquele será o momento no qual ele finalmente é abandonado por seus leais e raivosos seguidores. Porém, é Todd quem começa a comemorar e a aplaudir a execução, sendo seguido pelo restante da multidão. Da mesma forma que as ações do Capitão Pátria encorajam seus apoiadores mais radicais, o apoio desses radicais encoraja o Capitão Pátria a continuar passando dos limites.

Esse momento lembra uma afirmação feita em 2016 pelo então candidato a presidência dos EUA Donald Trump:

O meu pessoal é muito inteligente. Sabe o que as pesquisas dizem sobre eles? Dizem que eu tenho as pessoas mais leais. Já viu isso? Eu poderia chegar no meio da Quinta Avenida e atirar em alguém, e não perderia eleitores, ok? É incrível.

Assim como o filme Não Olhe Para Cima, a terceira temporada de The Boys faz uso de elementos do mundo real para traçar paralelos e explorar quais seriam as possíveis consequências dos eventos incorporados. Porém, enquanto o filme cria um cenário extremo (um cometa está prestes a se chocar com a Terra) para exemplificar o negacionismo em relação a certos assuntos, a série utiliza um cenário menos distante (os super-heróis são muito mais celebridades do que heróis de verdade) para mostrar a quais extremos um líder autoritário poderia chegar.

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