Crítica: Estou Pensando em Acabar com Tudo

I’m Thinking of Ending Things, EUA, 2020



Filme oferece uma longa e melancólica viagem pelo tempo e por algumas das ansiedades inerentes à condição humana

★★★★☆


Estou Pensando em Acabar com Tudo é um daqueles filmes que são muito mais uma experiência do que um filme. Há muita pouca história e uma grande quantidade de metáforas e reflexões. Tanto a forma quanto o conteúdo dessa obra do diretor Charlie Kaufman (adaptada do romance do autor Iain Reid) exploram inseguranças e questionamentos que, de um jeito ou de outro, são comuns a qualquer ser humano que esteja vivo. Consequentemente, a qualidade da produção depende da disposição do espectador em mergulhar nos metafísicos pensamentos da protagonista (Jessie Buckley, creditada apenas como “jovem mulher”) e seu namorado Jake (Jesse Plemons).

O pensamento (“estou pensando em acabar com tudo”) que “infecta” a mente da protagonista diz respeito a seu relacionamento com Jake, mas a leva a questionar vários outros aspectos de sua vida e de sua existência. O primeiro deles é sobre as decisões que tomamos ao evitar tomar decisões, como deixar um relacionamento continuar simplesmente porque não se tem um bom motivo para se separar. A vontade de terminar o namoro pode existir, mas o argumento para explicar essa decisão parece inalcançável. Existe o sentimento que a empurra para a porta de saída, mas ela não possui uma racionalização para justificar aquela decisão (principalmente, para si própria). Na prática, independente de sua relutância, a decisão já está tomada; o que falta é a ação.

Essa é uma situação bem surreal e é nela que o espectador encontra a personagem, fazendo um passeio pelo tempo. Ela está no carro com Jake a caminho da casa dos pais dele (Toni Collette e David Thewlis), mas ela também está imaginando o dia no qual aquele momento será apenas uma memória em sua cabeça. Ela se percebe naquele relacionamento como alguém que olha para um muro que acaba de ser pintado e já o imagina velho e desgastado. E ela não apenas imagina esse momento futuro, mas até anseia (“estou pensando em acabar com tudo”) por ele.

Talvez o relacionamento com Jake seja muito melhor como a memória de um relacionamento do que como um relacionamento em si. Ela quer esse relacionamento como parte do passado, pois o passado não existe. O passado não é algo que está acontecendo e nem é um objeto que possa ser tocado. É apenas algo que aconteceu e que agora “existe” apenas como memórias, sinais elétricos em nossos cérebros. Por mais que estejam registrados em papel ou outras mídias, os acontecimentos do passado não passam de pensamentos em nossas mentes.

Para ela, aquele é um relacionamento sem esperança, e a esperança é o combustível do ser humano. Enquanto outros animais podem se dar ao luxo de simplesmente existirem seguindo seus instintos como se fossem viver para sempre, o ser humano (ciente da própria mortalidade) precisa acreditar que está indo na direção de dias melhores, e não apenas na direção da morte certa.

O ser humano precisa da esperança de uma vida feliz e normal; ou precisa procurar o êxtase de uma vida “anormal” em festas, esportes radicais, práticas sexuais não-convencionais ou práticas religiosas/espirituais transcendentais; ou precisa acumular riqueza, poder, fama e/ou reconhecimento. Mais do que a estabilidade de uma vida normal, as pessoas buscam a excitação de uma vida completa, e sempre carregam a esperança de um dia encontrar aquela peça “mágica” que vai se encaixar perfeitamente em sua vida e fazer tudo se tornar perfeito. Mas a protagonista não vê essa esperança (“estou pensando em acabar com tudo”) no relacionamento com Jake.

Talvez ela não tenha essa esperança por ser capaz de prever facilmente como seria a vida ao lado dele. Namorar, casar, ter filhos, envelhecer, morrer. Para haver esperança, o futuro precisa ser imprevisível. É preciso ter a ilusão de que tudo é possível. A familiaridade causada por uma grande sequência de dias idênticos oprime os sonhos e sufoca as possibilidades. É por isso que na poesia que ela recita para Jake, o eu-lírico sofre com o ato de voltar para casa (“estou pensando em acabar com tudo”) depois de um longo dia no trabalho.

Voltar para casa é horrível porque é quando você precisa encarar a realidade. Você volta para casa e percebe que aquela é a materialização de tudo o que você não conseguiu, um lembrete de todas coisas que você não está vivendo. Isso desconstrói a narrativa épica que você conta para si mesmo sobre a sua vida. Mesmo quando há vitórias, elas jamais são tão épicas e grandiosas quanto você faz parecer. Mesmo quando você comemora uma vitória pessoal ou profissional, você não está comemorando a conquista de um império ou a queda de um poderoso inimigo, mas sim o seu papel como uma pequena peça em uma engrenagem (“estou pensando em acabar com tudo”) que você sequer entende completamente. E enquanto isso, você não para de envelhecer.

A narrativa também explora a realidade de um Jake envelhecido, sobrepondo a sofisticação filosófica do rapaz com a vida melancólica de um Jake zelador (Guy Boyd) na escola em que estudou. Quanto tempo e quais acontecimentos separam essas duas versões da mesma pessoa? Qual estrada foi percorrida para que um se tornasse o outro? A obsessão de Jake por sua escola faz com que ele não consiga deixá-la para trás (“estou pensando em acabar com tudo”) e se recuse a seguir em frente. Mas o fato de que ele está parado não muda o fato de que o tempo está passando por ele.

É essa a conclusão à qual a protagonista chega depois de passar por uma experiência metafísica na casa dos pais dele. Ela vê o casal em diferentes pontos de suas vidas e os percebe como constantes enquanto o tempo passa por eles. Assim como os porcos que pararam em um canto e estavam sendo consumidos por vermes, os “sogros” haviam parado de evoluir (ou de viver) e estavam sendo consumidos pelo tempo.

Todos esses temas e reflexões deixam a narrativa (assim como essa crítica) longa e exagerada. Isso faz com que Estou Pensando em Acabar com Tudo seja muito menos o tipo de filme que deixa o espectador refletindo por dias e muito mais o tipo que o faz refletir durante a projeção. Não há realmente uma história sendo contada ou uma ideia central sendo defendida, mas sim uma experiência tão sentimental quanto intelectual sendo compartilhada.

Isso o faz lembrar a poética prosa hilstiana, que se trata de longos monólogos ou longos diálogos que passam por tantos assuntos e por tantos momentos que, após a leitura, é impossível se lembrar de todos eles. O importante é a experiência em si, já que, assim como o filme, a autora conduz o leitor por um fluxo de consciência denso, ambíguo e abstrato.

A riqueza de temas é tão ampla que vários deles já foram tratados individualmente em filmes e séries como Persona (comentário aqui), Aniquilação (crítica aqui), Legion (análise aqui), Dark (análise aqui), Trama Fantasma (crítica aqui) e Sombras da Vida (comentário aqui). Outro filme que lida com as complicações do fim de um relacionamento é Midsommar (crítica aqui), mas a metáfora utilizada nele é muito mais violenta e radical.

Estou Pensando em Acabar com Tudo definitivamente não é para todos os gostos, mas as pessoas estranhas que já estão acostumadas com esse tipo de filme têm nele um prato cheio para infinitas análises e discussões. Dito isso, é perfeitamente compreensível que a Netflix não o esteja divulgando na página inicial da plataforma, minimizando assim o número de assinantes decepcionados.

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