Crítica: A Hora do Mal
Weapons, EUA, 2025
Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
A primeira metade de A Hora do Mal é tão bem construída que o filme poderia ser um intenso suspense dramático, sendo capaz de alcançar o nível de produções como Os Suspeitos e Garota Exemplar. Porém, o roteirista e diretor Zach Cregger tem outros planos em mente. Se em Noite Brutais sua mistura de gêneros foi ligeiramente desajeitada, aqui o diretor aperfeiçoa sua fórmula e equilibra suspense, terror, drama, ação e comédia de forma praticamente perfeita. Ao invés de ser apenas um filme de terror, a trama oferece uma multifacetada experiência cinematográfica, talvez uma das melhores do ano.
A narração nos momentos iniciais de A Hora do Mal promete uma “história real”, o que colabora para que o tom sério e dramático do primeiro ato realmente funcione. Entretanto, a história vai ficando cada vez mais insólita e divertida, chegando no ato final quase como uma completa comédia e lembrando filmes de “terrir” como Arrasta-me Para o Inferno e Maligno. Além disso, o diretor vai dando pistas tão óbvias e exageradas que deixam o espectador imaginando que a resposta para o mistério deve ser algo completamente diferente.
O mistério no centro da trama é o desaparecimento de 17 crianças de uma escola local, que ocorreu em circunstâncias inexplicáveis. Às 2:17 da madrugada de uma quarta-feira como qualquer outra, essas 17 crianças se levantaram de suas camas e saíram correndo pela porta da frente de suas casas, desaparecendo na escuridão. Todas elas eram estudantes da 3ª série, pertencentes à classe da professora Justine (Julia Garner). No fatídico dia, o único aluno que apareceu para suas aulas foi o quieto Alex (Cary Christopher), que também não faz ideia do que pode ter acontecido com todos os seus colegas.
Depois que a narração apresenta esse cenário, o filme adota os pontos de vista de diversos personagens, nos revelando um pouco do mundo de cada um deles. É interessante notar que os quatro principais apresentam comportamentos que vão do problemático até o completamente criminoso, com todos eles apresentando sinais de obsessão, vícios e impulsividade. O primeiro deles é a própria Justine, que não está sabendo lidar com o desaparecimento de seus alunos e insiste em seguir uma determinada linha de investigação por conta própria.
O mesmo pode ser dito sobre Archer (Josh Brolin), pai de uma das crianças desaparecidas. Apesar da polícia acreditar no contrário, tanto ele quanto outros pais acham que Justine deve ter algum envolvimento no desaparecimento, insistindo para que a polícia a pressione em busca de respostas. Os outros dois pontos de vista principais são os do impulsivo policial Paul (Alden Ehrenreich) e do morador de rua e viciado em drogas James (Austin Abrams), cuja busca pela próxima dose o leva a encontrar as crianças em um local altamente improvável.
Apesar dos elementos sobrenaturais, A Hora do Mal realmente possui um lado “história real”, servindo como comentário social sobre diversos tópicos. O principal deles é a forma como a comunidade lida com o desaparecimento das crianças, que em muito lembra o trauma causado pelas mortes de crianças e adolescentes em ataques a tiros em escolas nos EUA e no restante do mundo. O sentimento compartilhado de luto, a busca por culpados, pais e autoridades tentando entender como aquilo pode ter acontecido e uma comunidade que tenta de alguma forma seguir em frente são todos elementos presentes tanto no filme quanto nos casos reais.
Na segunda metade, a trama também serve como uma metáfora para o fanatismo que transforma cidadãos normais em “armas” a serviço de figuras radicais e autoritárias. Na história, há uma força maligna capaz de suprimir o livre arbítrio das pessoas e utilizá-las como meros peões em benefício próprio (o que também lembra a situação mostrada no terror Corra!). Na vida real, as pessoas são levadas a abandonar o pensamento crítico diante de discursos radicalizadores de líderes políticos ou religiosos que oferecem respostas simplistas e violentas para problemas complexos e pervasivos.
Exemplos disso podem ser vistos em documentários como Privacidade Hackeada e Apocalipse nos Trópicos, nos quais figuras corporativas e religiosas afirmam ser capazes de “guiar” a opinião pública de uma forma que pode alterar os resultados de eleições ou provocar grandes manifestações. Os mecanismos psicológicos por trás desse tipo de “controle mental” podem ser vistos em filmes como A Onda e Duna: Parte 2, além de séries documentais como The Way Down e Rezar e Obedecer.
Apesar disso, A Hora do Mal pode ser apreciado sem se levar em conta esses aspectos sociopolíticos. Além dos momentos de “terrir”, a trama também possui sustos e momentos de tensão genuinamente aterrorizantes, com aspectos que lembram produções como Espíritos Obscuros, Longlegs e Oddity. A história até perde um pouco do fôlego quando se dedica a explicar exatamente o que aconteceu com as crianças, mas esse momento mais expositivo é importante para unificar todas as linhas narrativas e para viabilizar um tenso e engraçado clímax, digno de O Iluminado ou da Trilogia Rua do Medo.