Crítica: Uma Batalha Após a Outra

One Battle After Another, EUA, 2025



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★★★★★


Na superfície, a jornada na qual o diretor Paul Thomas Anderson (PTA) coloca o seu protagonista Bob (Leonardo DiCaprio) ao longo de Uma Batalha Após a Outra faz do filme uma comédia de ação sobre um personagem trapalhão. Porém, ao longo do caminho, o espectador é confrontado com realidades e com personagens que levam a reflexões sobre a real natureza das lutas políticas e ideológicas, especialmente quando elas se distanciam da vida real. Apesar dessa temática, essa é uma história acima de tudo humana e otimista, mesmo diante de uma poderosa escuridão.

uma batalha após a outra bob

A maior parte da narrativa de Uma Batalha Após a Outra se passa nos dias atuais, mas o diretor cria uma ambientação que nos dá a impressão de que essa é a uma comédia setentista, inclusive com fortes toques de contracultura e de paranoia política. Bob possui vários pontos em comum com o protagonista de Vício Inerente (que também foi inspirado em uma obra de Thomas Pynchon), sendo o principal deles um quase completo despreparo para lidar com (e para entender) a situação na qual ele se envolve.

Acontece que o passado de Bob como membro do grupo guerrilheiro French 75 finalmente o alcança nos dias atuais. Dezesseis anos antes, ele corria pelas ruas e pelas estradas dos EUA ao lado de Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor) e de outros rebeldes de extrema-esquerda, realizando assaltos a banco e atentados terroristas, além de libertar imigrantes ilegais apreendidos pelas autoridades do país.

A sobreposição do passado e do presente revela o contraste entre o fervor revolucionário e a fria realidade que se abate sobre os rebeldes armados. Depois de uma terrível traição, os sobreviventes do French 75 ainda lutam como podem, divulgando mensagens subversivas pelas ondas de rádio e tentando manter os membros do movimento longe do alcance das autoridades. Aparentemente, o máximo que sobrou do frenesi revolucionário foram os sonhos de um mundo mais justo.

O que essa situação nos lembra é de que a rebeldia contra o “sistema” não é muito efetiva contra a opressão da condição humana. Antes de haver capitalismo, comunismo ou outras formas de organização político-econômica vistas como injustas ou opressoras, a humanidade já possuía tendências autoritárias e a necessidade de se acreditar especial. É possível dizer que as injustiças e a opressão não são causadas pelos sistemas econômicos, mas sim pela indiferença que as pessoas são capazes de sentir diante do sofrimento das outras.

Nesse sentido, há filmes que podem ser colocados ao lado de Uma Batalha Após a Outra e que são baseados em histórias reais, como O Grupo Baader-Meinhof, Os 7 de Chicago e Judas e o Messias Negro. No mais, a história também possui vários paralelos com produções como A Batalha de Seattle (ficção que se passa durante um evento real), Sem Proteção, Movimentos Noturnos, O Sistema e How to Blow Up a Pipeline. Até a ficção científica Filhos da Esperança trata de temas similares aos desse novo filme.

uma batalha após a outra perfidia e lockjaw

A trama de Uma Batalha Após a Outra também realça o uso da poderosa máquina militar dos EUA contra civis cujo principal “crime” foi se movimentar sobre a superfície do planeta Terra, algo que a humanidade já vem fazendo há muitos milhares de anos. Quando comparado com a nossa História e com as primeiras migrações humanas, todo esse esforço para restringir ondas migratórias parece ir contra a natureza da nossa espécie.

Algumas das imagens presentes no filme parecem tiradas do noticiário, já que a perseguição a imigrantes e sua detenção em prisões precárias e improvisadas são temas “quentes” em 2025. Essa já era uma realidade comum nos EUA há muitos anos, mas ela parece estar tomando outras proporções durante o segundo governo de Donald Trump. Para se ter uma ideia, o orçamento reservado para a polícia de imigração ICE nos próximos anos é maior que o orçamento reservado para o FBI e o DEA somados.

Obviamente, essa poderosa máquina de repressão pode muito bem ser utilizada para objetivos pessoais. É isso o que acontece em Uma Batalha Após a Outra quando o coronel Steven J. Lockjaw (Sean Penn) a mobiliza para tentar encontrar Bob e sua filha Willa (Chase Infiniti). Diante de uma grande oportunidade em sua vida, Lockjaw não irá poupar esforços para localizá-los e para apagar uma parte de seu próprio passado.

Diante dessa absurda desvantagem (forças militares dos EUA vs um ex-guerrilheiro drogado e com a memória prejudicada), Bob parece estar o tempo inteiro à beira de um colapso nervoso, especialmente quando precisa lidar com a burocracia do que restou do French 75. Felizmente, ele conta com a ajuda do calmo e meticuloso sensei Sergio Saint Carlos (Benicio Del Toro), um ativista que não se limita a códigos secretos e mensagens ideológicas.

É nas ações desse personagem que a trama de Uma Batalha Após a Outra começa a traçar a diferença entre militantes sonhadores e ativistas pragmáticos. Ao invés de plantar bombas em órgãos públicos, ele acolhe famílias de imigrantes e tem um efeito concreto sobre a vida dessas pessoas. Além disso, sua calma não vem de uma certeza de superioridade moral, mas sim de altos níveis de comunicação, planejamento e disciplina. É assim que ele se mantém sempre um passo à frente de uma grande força militar.

uma batalha após a outra willa e deandra

Uma Batalha Após a Outra também traça um curioso paralelo entre a militância de extrema-esquerda de Perfidia e o fanatismo de extrema-direita de Lockjaw. Nos dois casos, há um forte aspecto performático em suas ações e em suas crenças ideológicas. Enquanto eles tentam construir suas identidades e suas autoimagens ao redor desses elementos, há momentos nos quais suas máscaras caem e percebe-se a dissonância entre quem eles acreditam ser e seus instintos mais básicos.

É possível tentar explicar ou racionalizar as ações de Perfidia, mas a grande resposta é que ela é apenas um ser humano tentando dar algum sentido a sua vida. Intensa e impulsiva, ela nem sempre toma as melhores decisões possíveis, priorizando a vida de rebeldia e adrenalina em detrimento de uma existência mais tranquila ao lado de sua família. Porém, quando as consequências de suas ações ficam extremamente reais e desagradáveis, ela prioriza a autopreservação ao invés de qualquer tipo de ideologia ou lealdade.

Já Lockjaw, que no passado se sentia extremamente atraído por Perfidia, ainda se esforça para fazer parte de um grupo “especial” e altamente exclusivo. Assim como os supremacistas brancos que o cortejam, ele se leva muito a sério e se considera digno de um destino superior. Essa é uma mentalidade que revela níveis estratosféricos de inseguranças, com pessoas adultas precisando se considerar superiores a todas as outras que não possuem suas mesmas características étnicas.

Seria até cômico, mas, tanto nos EUA quanto em outras partes do mundo, há grandes quantidades de recursos públicos e privados sendo aplicados em ações que visam refletir esse ridículo e infantilizado senso de superioridade.

Por fim, há a situação de Willa. Assim como muitos outros adolescentes, ela está tentando definir a sua identidade e encontrar seu lugar no mundo. Paralelamente, ela tem que lidar com as consequências das ações de pessoas adultas que parecem bem menos maduras do que ela. Não foi ela quem criou toda essa situação e em nenhum momento ela pediu para existir, mas é sua existência que leva Perfidia, Bob e Lockjaw a tomarem as decisões que desencadeiam a épica série de eventos mostrada em Uma Batalha Após a Outra.

O que o filme evidencia por meio do relacionamento entre Bob e Willa é que, apesar de todos os outros temas, essa também é uma história sobre pais e filhos. Mesmo com todos seus defeitos, a maior ação revolucionária realizada por Bob é cuidar de uma criança e prepará-la para se importar com o sofrimento alheio mesmo diante dos perigos que a ameaçam pessoalmente. Não se trata de sacrificar a própria vida em nome de uma causa maior, mas sim de tomar atitudes que afetem as vidas das pessoas de formas positivas e que ajudem a construir um mundo melhor e mais seguro.

E tudo isso representa apenas uma parte do que pode ser dito sobre Uma Batalha Após a Outra, que é mais uma perfeita experiência cinematográfica concebida pelo diretor Paul Thomas Anderson. Enquanto as ideias e os temas apresentados podem ser controversos, é inegável que o diretor fez aqui um épico de ação, humor e suspense que funciona em um nível de adrenalina diferente de todas as suas obras anteriores.