Crítica: Os 7 de Chicago

The Trial of the Chicago 7, EUA, 2020



Filme informa e empolga ao mostrar um julgamento tendencioso que entrou para a História dos EUA

★★★★☆


Sempre energético e às vezes empolgante, Os 7 de Chicago consegue tratar com toda a profundidade necessária o problema que há no centro de sua trama: um julgamento político. Aqui, todos os eventos e figuras históricas que cercam o julgamento dos sete de Chicago servem apenas como contexto para mostrar como o estado de direito pode ser facilmente comprometido por pessoas interessadas em reprimir a dissidência política ou em agir com base em vendetas e interesses pessoais.

Alguns espectadores podem reclamar da falta de profundidade emocional e até de desenvolvimento de personagens, mas esse é um thriller político e não um tocante drama familiar ou romântico. O roteiro e a direção de Aaron Sorkin realçam o contexto político dos EUA dos anos 1960 e os temperamentos dos personagens por meio de diálogos inspirados e de uma edição que impõe um ritmo dinâmico e envolvente. Misturando a dramatização com imagens da arquivo, o filme transporta o espectador para aquela época quase tão bem quanto o recente Destacamento Blood (crítica aqui).

A produção é beneficiada pelo foco quase total no julgamento, deixando os protestos que cercaram a Convenção do Partido Democrata de 1968 para serem mostrados apenas como flashbacks. Além da montagem na abertura, uma das poucas cenas mostradas antes do início do julgamento é a do “recrutamento” do promotor Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt) pelo Procurador Geral dos EUA John N. Mitchell (John Doman) para processar os acusados por motivos muito mais políticos do que judiciais.

Esse uso político-ideológico das cortes lembra filmes como Ponte de Espiões e Boa Noite e Boa Sorte. O juiz Julius Hoffman (Frank Langella) age muito mais como acusador do que como arbitrador durante o julgamento, dificultando a defesa liderada pelo advogado William Kunstler (Mark Rylance) e facilitando a vida da promotoria. É possível dizer que aquele foi um típico julgamento encenado, nos moldes do que se tenta fazer em Ponte de Espiões e que eram comuns na União Soviética. A atuação de Hoffman também lembra a corrupção dos juízes mostrados no documentário Kids for Cash, sobre um grande escândalo de venda de sentenças judiciais que eclodiu nos EUA em 2008.

Hoffman é uma típica figura autoritária, guiado muito mais por suas crenças pessoais do que pelo espírito ou pelos princípios da lei. O único momento no qual ele demonstra alguma humildade é quando está diante do ex-Procurador Geral dos EUA Ramsay Clarke (Michael Keaton), que possui um perfil mais alto que o seu e cuja presença o intimida. Esse é o típico comportamento de alguém que só age como um “valentão” quando se considera a pessoa mais importante no ambiente.

Fora do aspecto jurídico, Os 7 de Chicago também mostra os atritos entre os oito homens inicialmente levados a julgamento. A dinâmica entre eles é uma boa representação dos conflitos internos que sempre permearam os movimentos de esquerda, com discordâncias sobre métodos e prioridades sendo colocadas acima dos objetivos em comum que eles possuem. Se os hippies Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong) estão mais interessados na revolução cultural da contracultura, Tom Hayden (Eddie Redmayne) e Rennie Davies (Alex Sharp) estão focados em obter vitórias eleitorais para avançar politicamente as propostas do campo progressista. Já David Dellinger (John Carroll Lynch) é um pacifista mais interessado em protestos não-violentos.

O oitavo acusado é Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), um co-fundador dos Panteras Negras que não tem acesso a seu advogado e é auxiliado por Fred Hampton (Kelvin Harrison Jr.) durante o julgamento. Os 7 de Chicago mostra parcialmente o impacto, sobre Beale e sobre o caso, do assassinato de Hampton pela polícia, um evento que foi dramatizado no filme Judas e o Messias Negro, que será lançado em 2021. Assim como no julgamento dos sete, os eventos que cercaram a morte de Hampton também envolveram um informante da polícia infiltrado dentre os ativistas (assim como nos casos que mencionei aqui).

Todos os aspectos mencionados anteriormente fazem de Os 7 de Chicago um válido documento de um momento histórico e dos perigos dos abusos judiciais. Apesar do julgamento ter ido até o fim e dos acusados terem sido condenados, o sistema judiciário dos EUA funcionou bem o suficiente para reverter as decisões do juiz Hoffman. Porém, esse dificilmente pode ser considerado um final feliz, pois os abusos sofridos por eles até a absolvição não podem ser revertidos. No fim das contas, a qualidade das nossas instituições democráticas só pode ser tão boa quanto as pessoas responsáveis por elas.

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