Crítica: Mulher-Maravilha 1984

Wonder Woman 1984, EUA, 2020



Blockbuster é empolgante e divertido, mas também é capaz de fazer o espectador refletir e se emocionar

★★★★☆


A segunda maior surpresa de Mulher-Maravilha 1984 é o quão fundo a diretora Patty Jenkins vai no estilo da década de 1980. Não se trata apenas do visual e de referências históricas, mas o próprio roteiro segue (aproximadamente) a fórmula de uma aventura oitentista, incluindo uma grande lição de moral no final. Isso pode desagradar os fãs que estão acostumados com os padrões MCU e DCEU de filmes de super-heróis, mas vai aquecer o coração de quem cresceu assistindo às insólitas aventuras infanto-juvenis da TV e do cinema daquela época.

Nesse sentido, o filme acerta onde Capitã Marvel (crítica aqui) errou, já que aquele filme foi ambientado nos anos 1990 mas tinha muito pouco daquela década. Aqui, o conceito “filme dos anos 1980” é explorado de forma correta e altamente satisfatória. Até a ação é exagerada e caricata, parecendo ter sido idealizada naquela época. Se Jenkins queria fazer um filme “daqueles de antigamente”, o objetivo foi alcançado com maestria.

Mas Mulher-Maravilha 1984 não se sustenta apenas pela nostalgia. A maior surpresa dessa continuação é o quão contundente e relevante é a sua mensagem, que chega a ganhar contornos políticos. A trama gira em torno de ideais de honestidade e firmeza moral que estão em conflito com a atual realidade política e social do planeta, na qual políticos e seus apoiadores lançam mão de mentiras e manipulação para avançar as próprias crenças e visões de mundo.

Desde a épica cena inicial ambientada em Themyscira, Diana Prince/Mulher-Maravilha (Gal Gadot) começa a aprender a lidar com a frustração e a não escolher caminhos mais fáceis para conseguir o que quer. Porém, ela só termina esse aprendizado em 1984, com a ajuda de um milagrosamente ressuscitado Steve Trevor (Chris Pine) e dos vilões Maxwell Lord (Pedro Pascal) e Barbara Minerva/Mulher-Leopardo (Kristen Wiig).

Os vilões em si não são os principais antagonistas aqui. O que a Mulher-Maravilha realmente precisa fazer é ajudá-los a superar os próprios ressentimentos e a busca por revanche. Tanto Lord quanto Minerva sempre foram tratados com indiferença ou desprezo, estando acostumados a oferecer muito e dificilmente receberem algo de volta. Então, quando finalmente se encontram em posições de poder, eles se consideram no direito de fazer tudo o que for necessário para permanecerem nessas posições, passando a acreditar que “os fins justificam os meios”. Mas antes de ajudá-los, a Mulher-Maravilha precisa se ajudar.

Diana já havia aprendido há muito tempo que não importa apenas ganhar, mas que também importa ganhar de forma honesta e do jeito certo. Mas mesmo a sua resiliência moral, que já havia sido amplamente testada no primeiro Mulher-Maravilha (crítica aqui), é abalada diante das possibilidades que um novo poder oferece. Depois das décadas que ela já havia sacrificado em nome da humanidade, lhe parece razoável ter uma determinada recompensa por sua dedicação. Porém, não é assim que uma verdadeira firmeza de caráter funciona.

Mulher-Maravilha 1984 também critica as culturas do consumo desenfreado e da adoração a gurus. Essa versão de Maxwell Lord foi inspirada em magnatas dos anos 1980 como Bernie Madoff e Donald Trump, figuras que projetavam imagens de riqueza e sucesso mas que na prática jamais entregavam tanto quanto prometiam. E se as pessoas caíram nas conversas deles, é porque elas também gostariam de cometer tantos excessos e serem tão extravagantes quanto eles.

E ao caírem nas promessas vazias de líderes populistas que querem apenas ser adorados, as pessoas deixam de agir em colaboração, em prol do bem comum, e passam a tomar apenas decisões egoístas, como se elas não tivessem consequências sobre as vidas das outras pessoas. Apesar de ter sido inicialmente previsto para dezembro de 2019, Mulher-Maravilha 1984 dialoga muito bem com os problemas que o mundo vem enfrentando em 2020 durante a pandemia de COVID-19, com pessoas se recusando a seguirem as medidas de prevenção e contribuindo para o espalhamento da doença.

Se todas essas mensagens e interpretações políticas funcionam muito melhor que as do primeiro filme é porque aqui o roteiro está mais afiado e as atuações mais convincentes. Gal Gadot e Pedro Pascal roubam a cena com performances que fazem jus aos bem escritos arcos dramáticos de seus personagens, traduzindo perfeitamente o conflito e o desespero deles. A Mulher-Leopardo de Kristen Wiig, por sua vez, possui um arco até relevante, mas que já foi utilizado em vários outros filmes com antagonistas do sexo feminino. Ainda assim, Wiig eleva a personagem tanto com suas habilidades como comediante quanto com uma caracterização impecável (que se perde quando ela é apresentada inteiramente em CGI).

Com cores vibrantes e ideias ousadas (para um filme estritamente comercial), Mulher-Maravilha 1984 voa por novos ares e oferece um entretenimento menos escapista do que parece. Como blockbuster, ele é leve, empolgante e divertido, mas também traz vários pontos de reflexão sobre ética, integridade e sacrifício pessoal.

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