Crítica: Invencível – 1ª Temporada
Invincible, EUA, 2021
Animação capricha na ação e em uma história tão surpreendente quanto genuinamente trágica
★★★★☆
Durante a maior parte de seu primeiro episódio, Invencível apresenta uma interessante mas convencional história de super-heróis, especialmente para quem já conhece as mitologias do Homem-Aranha, do Superman e da Liga da Justiça. Porém, os instantes finais do capítulo inicial apresentam uma reviravolta tão surpreendente quanto sangrenta, estabelecendo um tom mais adulto e um mistério que, sozinho, já seria o suficiente para manter o interesse do espectador. Mas a série vai além, com o criador Robert Kirkman, que também é o autor das HQs originais e das HQs de The Walking Dead, oferecendo muito mais do que isso.
O lado mais convencional ainda está presente, pois, assim como Peter Parker, o protagonista Mark/Invencível (Steven Yeun) precisa lidar com as atribulações da adolescência enquanto tenta se acostumar com os superpoderes que ele acabou de receber. A diferença é que aqui ele já sabia que desenvolveria as habilidades especiais, uma vez que ele é filho do super-herói Nolan/Omni-Man (J.K. Simmons). Quando ele finalmente os desenvolve, a trama parece caminhar na direção do drama, focando muito mais na relação entre pai e filho do que em super-vilões ameaçadores.
É aí que Invencível começa a ficar mais interessante. Enquanto Mark luta para manter o equilíbrio entre sua função como aprendiz de super-herói, sua vida escolar e sua vida amorosa, a ameaça revelada no final do primeiro episódio vai se desenvolvendo de uma forma que pode mergulhar a vida do protagonista no mais completo caos. É algo tão perturbador que mantém a trama extremamente imprevisível, o que deixa o espectador ansioso para o que vai acontecer quando tudo vier à tona, o que só acontece no oitavo episódio, o último da temporada.
Até lá, as subtramas com as quais Mark precisa lidar estabelecem o tom violento e impiedoso desse universo. Não se trata apenas de mortes inesperadas, mas também do quão violentas elas são. O que Invencível faz é reimaginar o Homem-Aranha, o Superman e a Liga da Justiça em um universo um pouco mais próximo da nossa realidade, no qual a ação e os temas tratados não precisam respeitar nenhum tipo de classificação etária. A trama responde perguntas como: o que aconteceria se alguém com a força do Superman se exaltasse e desse um soco no maxilar de uma pessoa normal? Em um dos episódios, Mark faz justamente isso.
Nesse sentido, a abordagem se assemelha muito à de The Boys, outro sucesso da Amazon Prime Video. Naquela série, um grupo de justiceiros se une para tentar colocar limites em uma equipe de super-heróis, cujos membros variam entre a completa irresponsabilidade e a completa psicopatia. A maioria deles simplesmente não se importa com as consequências de usar a fama e os superpoderes em benefício próprio. Em Invencível, a situação não é bem essa, mas a violência é equivalente.
Além disso, a verdade revelada no trágico e extremamente violento episódio final trata de um tema que já foi abordado tanto em The Boys como em séries como Watchmen e Falcão e o Soldado Invernal: o supremacismo. Cada uma dessas séries, incluindo Invencível, oferece um ponto de vista diferente sobre a questão, compondo um interessante e revelador mosaico temático. Como já ocorreu no passado, o gênero das histórias de super-heróis parece estar mais uma vez se atualizando para se manter relevante para o público.
Enquanto as clássicas histórias mostravam os seres superpoderosos como forças do bem que defendem a Terra e a sociedade das forças do mal, essas novas histórias tentam dar um tom mais realístico a esses cenários fantasiosos, realçando o fato de que uma pessoa superpoderosa e bem intencionada pode ter as mesmas problemáticas falhas de caráter de qualquer ser humano normal. Mesmo quando não há superpoderes envolvidos, os seres humanos já possuem a tendência de adotar critérios sob os quais eles podem se considerar superiores uns aos outros, e isso não seria diferente em um mundo no qual algumas poucas pessoas podem voar ou se locomover em altíssimas velocidades.
A animação de Invencível não é das mais avançadas possíveis, mas é boa o suficiente para manter o espectador impressionado com as fantásticas cenas de ação. Mesmo quem não estiver completamente interessado na trama vai se entreter com os momentos de puro caos e destruição, especialmente quando a narrativa tenta imaginar o estrago que os superseres podem fazer tanto em outras pessoas (superpoderosas ou não) quanto em civilizações.
Os outros grandes destaques de Invencível são os ótimos personagens secundários e o incrível elenco de voz. Vários desses personagens podem se tornar favoritos dos espectadores, especialmente quando Mark está nos momentos mais “lamentáveis” de sua jornada de aprendizado. Eles são beneficiados por um elenco que beira o inacreditável, que inclui nomes como Sandra Oh, Mark Hamill, Mahershala Ali, Zachary Quinto, Andrew Rannells, Gillian Jacobs, Jon Hamm, Seth Rogen e Walton Goggins. Se houver vontade por parte dos realizadores, vários dos personagens poderiam resultar em bem-sucedidos spin-offs.
Ao contrário de séries como The Boys e Watchmen, Invencível não tenta desconstruir o gênero das histórias de super-heróis. O que a série faz é subverter parcialmente o que se espera desse tipo trama e inserir novidades o suficiente não apenas para se justificar, mas também para oferecer uma experiência genuinamente emocionante e inovadora ao espectador. Tudo isso é beneficiado pelas incríveis e intensas cenas de ação, que muitas vezes parecem saídas diretamente de uma versão adulta e ainda mais sanguinária de Dragon Ball Z.