Crítica: Até o Último Samurai – 1ª Temporada
Ikusagami, Japão, 2025
Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Apesar dos principais atrativos de Até o Último Samurai serem as intensas e estilosas cenas de ação (que parecem saídas de anime), a série também faz um ótimo trabalho no desenvolvimento dos personagens e na costura de uma trama de natureza política. Dessa forma, o que poderia ser apenas uma fantasia de espadas e artes marciais, também acaba servindo como um comentário sociopolítico sobre os efeitos da violência e sobre alguns tipos de fanatismo.
A premissa da série possui vários paralelos com duas franquias de sucesso também presentes na Netflix: Samurai X e Round 6. Assim como Samurai X, a trama de Até o Último Samurai se passa durante a Era Meiji e também lida com as realidades da classe de guerreiros que agora precisa viver em um tempo de paz e modernidade. Nos dois casos, há um protagonista que lutou pelo fim do Xogunato Tokugawa e que tenta se adaptar aos novos tempos, além de antagonistas que tentam trazer de volta as violentas “glórias” do passado.
O protagonista aqui é Shujiro Saga (Jun’ichi Okada), um temido ex-samurai que agora luta para manter sua família viva durante uma epidemia de cólera em sua vila. Seu desespero o leva a participar de um aparente torneio de luta que possui um prêmio astronômico. Porém, esse “torneio” se revela como uma competição de vida ou morte, na qual ex-samurais de todo o país precisam matar uns aos outros para se manterem vivos. É nesse ponto que estão as semelhanças com o fenômeno Round 6.
Nessa primeira temporada, o principal antagonista de Shujiro é o selvagem Bukotsu Kanjiya (Hideaki Itô), um ex-samurai que parece ter enlouquecido e que agora mata por prazer. Enquanto Shujiro sofre com o estresse pós-traumático provocado pelos seus anos de guerra, Bukotsu parece desconhecer qualquer outra realidade que não seja a violência do campo de batalha, e ele quer trazê-la de volta. Fica claro que Bukotsu se considera superior e que trata a vida humana como descartável, fazendo questão de ser visto como um “monstro”.
Essa necessidade de ser visto como forte e superior revela as inseguranças que o consomem por dentro. Ao invés de enfrentar seus medos e incertezas, ele utiliza a violência e a crueldade para manter a ilusão de que sabe quem é e de que sabe o que está fazendo nessa vida. Seu niilismo lhe permite que ele não faça/construa nada significativo e ainda assim se sinta como se estivesse acima das outras pessoas. Na prática, suas ações são reflexos de uma constante e avassaladora crise existencial, que ele está o tempo inteiro tentando fingir que não o aflige.
Já os organizadores da mortal competição, que se inspira na folclórica prática do Kodoku, possuem um tipo diferente de fanatismo, motivado por interesses políticos e econômicos. Seus sensos de superioridade vêm do fato de que são ricos ou por se considerarem mais dignos e moralmente superiores ao restante do país. Isso faz com que eles se sintam no direito (ou mesmo no “dever”) de utilizarem o jogo para instaurar o caos, assassinarem autoridades e assumirem o controle por meio de um golpe militar.
Vale notar que o líder dos conspiradores não está tentando trazer de volta a ditadura militar do xogunato, mas sim tentando ir ainda mais longe nas reformas realizadas na Restauração Meiji. Para ele, o fato de que os samurais se tornaram obsoletos não é suficiente; seu fanático ressentimento o leva a tentar exterminar todos os samurais sobreviventes e apagar todos os vestígios daquele outro tempo, em um esforço que pode ser considerado uma tentativa de apagamento da História do Japão diante de influências ocidentais.
Fantasticamente, os seis episódios da primeira temporada de Até o Último Samurai conseguem abordar todos esses temas enquanto constrói diversas subtramas e dá a devida atenção a uma grande quantidade de personagens. É uma narrativa ágil e enxuta, marcada por cenas de ação tão criativas quanto empolgantes, além de belíssimas fotografia e direção de arte. O que falta agora é que a segunda temporada complete a história com toda a intensidade e beleza que ela merece.









