Crítica: Alvorada
Alvorada, Brasil, 2021
Documentário oferece uma visão única dos bastidores do poder – e do dia a dia – no Palácio da Alvorada
★★★☆☆
Ainda no início de Alvorada, a ex-presidente Dilma Rousseff afirma que está permitindo a realização do documentário para registrar o ponto de vista dos derrotados no processo de impeachment de 2016. Porém, as diretoras Anna Muylaert e Lô Politi vão além da dimensão política e histórica daquele momento, aproveitando a oportunidade para capturar a realidade dos funcionários que mantêm o Palácio da Alvorada funcionando, sejam eles da manutenção, da cozinha ou da burocracia da residência oficial.

Também é possível ver a reação da presidenta ao caráter invasivo das equipes de filmagem, que estão presentes mesmo em momentos nos quais ela está discutindo estratégias de defesa e comunicação com outras figuras chaves de seu governo. Isso colabora para o tom quase clandestino estabelecido por Muylaert e Politi, deixando o espectador com a impressão de que está vendo algo que não deveria ter sido capturado ou que dificilmente seria liberado para exibição. Outro fator que colabora com isso são as imagens capturadas à distância, como se o cinegrafista estivesse escondido ou observando os acontecimentos pelo buraco de uma fechadura.
Os funcionários e o funcionamento do Palácio da Alvorada se destacam ainda mais nos momentos e lugares nos quais a presidente não se encontra. São neles que é possível ver a residência como um local de trabalho como muitos outros pelo país: porteiros, motoristas, garçons, cozinheiros e zeladores seguem suas rotinas normais mesmo diante da tempestade política que ocorria no país. Há também a curiosa presença dos Dragões da Independência, que devem seguir sua rotina e tradições independente de quem esteja ocupando o prédio principal no momento.

Alvorada já é um óbvio complemento para produções como Democracia em Vertigem e O Processo, que também abordam o impeachment de Rousseff, mas sob outros pontos de vista. A esses três também se junta o documentário Tentehar: Arquitetura do Sensível (resenha aqui), no qual os realizadores tentam traçar um perfil multifacetado das forças sociais que faziam (e ainda fazem) parte do país durante a eleição de 2018. Juntos, eles montam um mosaico quase completo do Brasil da década de 2010. É “quase” porque nenhum deles foca no Brasil da esfera digital, que cada vez mais se mostra como uma “realidade alternativa” em oposição ao mundo real.
Com apenas uma hora e vinte minutos de duração, Alvorada jamais se aprofunda em nenhum dos aspectos cobertos, mas serve como um ótimo retrato de um determinado núcleo do poder federal em um determinado momento histórico. E esse é um retrato de Rousseff e seu palácio, mostrando uma presidenta que se manteve firme até o fim em seus pontos de vista sobre a lei e sobre a democracia, mesmo quando isso estava lhe custando o próprio cargo.








