Crítica: Homem-Aranha – Longe de Casa

Spider-Man: Far From Home, EUA, 2019



Filme explora a vida normal do Cabeça de Teia, o leva a lugares onde ele jamais esteve e abre muitas possibilidades para seu futuro

★★★★☆


A maior parte de Homem-Aranha: Longe de Casa é uma leve e despretensiosa comédia adolescente, e ela funciona melhor do que o esperado. Assim como a comédia Homem-Formiga e a Vespa (crítica aqui) serviu como um contraponto mais leve ao épico Vingadores: Guerra Infinita (crítica aqui), Longe de Casa faz o mesmo por Vingadores: Ultimato (crítica aqui). A principal diferença entre as duas comédias é que esse novo filme do Homem-Aranha tem muito mais para explicar.

As primeiras cenas da projeção usam uma linguagem irônica e engraçada para expor a nova realidade do MCU e como as pessoas comuns lidam com os acontecimento de Guerra Infinita e Ultimato. Os eventos que causaram a morte e ressurreição de metade da população da Terra ficaram conhecidos como o blip. Além disso, as pessoas ressuscitadas não envelheceram, o que significa que essa metade da população está cinco anos mais jovem do que deveria.

Uma vez feitas as devidas explicações, o filme parte para seu de facto prato principal: a viagem de Peter Parker/Homem-Aranha (Tom Holland) e seus amigos pela Europa. Tanto a dinâmica entre Parker e seu amigo Ned (Jacob Batalon) quanto os planos do protagonista para conquistar MJ (Zendaya) já dariam uma interessante comédia romântica, a ponto de adicionar uma certa originalidade a esse gênero.

Porém, além de ter que se preocupar com um rival no campo amoroso, Parker também precisa lidar com as inoportunas intromissões de Nick Fury (Samuel L. Jackson), que está decidido a recrutar o Homem-Aranha para lidar com uma ameaça de natureza desconhecida nesse universo. O herói deve dar apoio a Quentin Beck/Mysterio (Jake Gyllenhaal), um poderoso guerreiro de outra versão da nossa Terra.

Se em Homem-Aranha: De Volta ao Lar (crítica aqui) as vidas de Parker como adolescente normal e como super-herói entram em rota de colisão devido a uma coincidência do destino, aqui o cenário é um tanto diferente. A responsabilidade que recai sobre seus ombros após a morte de Tony Stark (Robert Downey Jr.), que seria pesada mesmo para um adulto bem estabelecido, é algo que pode consumir a sua vida e evitar que ele realize seus sonhos.

Uma vez que Parker é um inseguro adolescente de 16 anos, não é de se estranhar que ele escolha priorizar sua vida e seus amores ao invés de batalhar contra seres desconhecidos. Ele conclui que esse é um trabalho mais apropriado para Beck/Mysterio ou para os outros Vingadores e tenta se remover dessa situação. Porém, ele descobre do jeito difícil que se Stark lhe deixou um grande poder é porque ele é uma das poucas pessoas capazes de usá-lo de forma justa e correta.

Assim como De Volta ao Lar, Homem-Aranha: Longe de Casa segue respeitando a verdadeira essência desse icônico herói enquanto inova cada vez mais nos detalhes de sua nova história. Isso é importante não apenas para se distanciar das duas outras franquias que adaptaram o herói para o cinema, mas também para mantê-lo relevante nos dias atuais e justificar essa nova adaptação. E, pelo menos por enquanto, ela está mais do que justificada.

Comentários com Spoilers

As boas intenções de Tony Stark continuam causando problemas mesmo depois de sua morte. Se em Vingadores: Era de Ultron ele é o responsável pela criação de uma inteligência artificial que decide acabar com a humanidade, em Longe de Casa ele deixa para Parker, um adolescente de 16 anos, um sistema de armas com poder de fogo comparável à capacidade militar de diversos países, chamado de EDITH. Além das capacidades bélicas, EDITH dá a seu portador acesso ilimitado aos dados privados de qualquer cidadão, representando um verdadeiro pesadelo para os defensores do direito de privacidade.

O problema não é um sistema como esse nas mãos de Parker (apesar de que a primeira coisa que ele faz é acessar os arquivos e mensagens de seus colegas de classe e, logo em seguida e de forma acidental, ordenar um assassinato via drones no ônibus da excursão), mas sim nas mãos de pessoas mal intencionadas. É o que acontece quando Mysterio se torna uma figura paternal para o adolescente (que ainda está lidando com a morte de seu mentor) e, por meio de muita manipulação psicológica, convence o garoto a ir viver a vida e deixar o armamento sob sua responsabilidade.

Com um pouco mais de esforço por parte dos roteiristas, Mysterio poderia ter se tornado um dos melhores vilões do MCU. Tão inteligente quanto maníaco, o personagem é beneficiado pela hipnotizante atuação de Gyllenhaal, que dá a ele trejeitos semelhantes aos dos personagens interpretados pelo ator em filmes como O Abutre e Os Suspeitos. Ele não tem superpoderes, mas sim uma inescrupulosa obsessão que é capacitada pelo grupo de ressentidos ex-funcionários das Indústrias Stark que o ajudam a montar suas mentiras e ilusões, que são marcas registradas do personagem.

Infelizmente, ao invés de trabalhar o desenvolvimento do personagem de forma mais orgânica, o roteiro o apresenta como vilão (o que não deveria ser surpresa pra ninguém, mas resolvi comentar na seção com spoilers) por meio de um discurso no qual ele explica os detalhes de seu plano “maligno” justamente para as pessoas que fizeram parte do planejamento e executaram os passos até ali. Ou seja, ele apenas repete para seus comparsas tudo o que eles acabaram de fazer.

Por outro lado, o departamento de efeitos especiais fez a parte dele e entregou alguns dos melhores visuais já feitos no MCU, tanto nas batalhas no mundo real quanto nas elaboradas ilusões criadas pelo vilão. Dinâmicas, psicodélicas e visualmente estimulantes, não há motivos para termos dúvidas de que o Homem-Aranha poderia ser psicologicamente subjugado por elas.

A boa notícia é que Mysterio pode ser retomado em outros filmes. Sua morte fica incerta, mas mesmo que ele tenha morrido, os outros membros do seu grupo ainda possuem a tecnologia para produzir as realistas projeções. O bombástico vídeo exibido na primeira cena pós-créditos tanto pode ter sido feito pelo vilão antes de sua morte quanto poderia ter sido montado posteriormente por seus comparsas. Um desses comparsas pode ser Dimitri (Numan Acar), mostrado aqui como funcionário de Nick Fury, mas que talvez seja o vilão especialista em disfarces conhecido como Camelão.

O fato é que o vídeo exibido por J.J. Jameson (J.K. Simmons, em grande e aguardado retorno ao personagem), dono do site de notícias “alternativas” Clarim Diário, não apenas incrimina o Homem-Aranha mas também revela sua identidade secreta. O Cabeça de Teia sendo caçado como um criminoso não é nenhuma uma novidade nas histórias do herói, mas sua identidade se tornando pública é bem menos comum. Isso abre muitas possibilidades para o futuro do herói e mostra que o MCU deve continuar inovando com suas histórias (Homem-Aranha contra as #FakeNews?).

Como se isso não bastasse, a segunda e última cena pós-créditos mostra que o Nick Fury e a Maria Hill (Cobie Smulders) que vimos ao longo do filme são, na verdade, Talos (Ben Mendelsohn) e Soren (Sharon Blynn), membros da raça de metamorfos Skrull que foram apresentados no filme Capitã Marvel (crítica aqui). O verdadeiro Nick Fury está descansando em uma base espacial que pode ser uma referência à organização SWORD, versão cósmica da extinta SHIELD.

É possível especular quase infinitamente com base nesses desenvolvimentos (Invasão Secreta? Norman Osborn? Reinado Sombrio?), mas seja lá o que for que a Marvel Studios planeja para o futuro, já podemos dizer que será ousado.

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