Crítica: Armas na Mesa
Miss Sloane, EUA, 2016
Thriller político funciona melhor como estudo de personagem
★★★☆☆
Um dos principais problemas de Armas na Mesa é que sua premissa básica não facilita a suspensão da descrença: a poderosa e inescrupulosa lobista Elizabeth Sloane (Jessica Chastain) resolve mudar de lado e bater de frente com o poderoso lobby armamentista dos EUA. Isso vai de encontro à visão popular que se tem dos lobistas, profissionais cínicos e manipuladores que agem de acordo com o que o dinheiro manda, e não por princípios.
Mesmo depois que a protagonista revela que toda sua dedicação e discursos inflamados em prol da causa são menos por princípios e mais por questões pessoais, o roteiro não consegue capturar a complexidade moral do mundo que tenta representar, caindo em um maniqueísmo limitador e desinteressante durante a maior parte do tempo. Fica então a cargo de Jessica Chastain salvar o lado humano da trama, interpretando uma personagem forte e hipnotizante que, sozinha, faz o filme valer a pena.
Sloane é viciada em vencer. Desprovida de qualquer coisa que possa ser considerada uma vida pessoal, o trabalho é tudo o que ela tem, tudo o que sabe fazer e, provavelmente, tudo o que ela quer fazer. Durante os momentos mais difíceis, ela pode até desejar ser uma pessoa com uma vida normal, mas no fundo ela sabe que isso não a satisfaria. Quando um dos outros personagens lhe pergunta porque ela não aproveita seu sucesso financeiro e se aposenta, ela pergunta de volta: “Pra fazer o que?” Em seu próprio estilo, ela parece levar a sério uma das famosas citações de Charles Bukowski: “Encontre o que você ama e deixe que isso te mate.”
A personagem tem várias das características da protagonista de A Hora Mais Escura, que também é interpretada por Chastain, e dos personagens interpretados por George Clooney no grupo de filmes que chamo de “Trilogia do Homem Profissional”, composta por Conduta de Risco, Amor Sem Escalas e Um Homem Misterioso. Outros filmes que se encaixam nessa categoria são A Conversação e O Ano Mais Violento. Se tivesse apostado em uma história mais enxuta e focada na protagonista, Armas na Mesa seria um dos destaques dentre os filmes citados, mas acaba ficando abaixo do nível desses outros.
Apesar da mão firme do diretor John Madden, que consegue fazer a narrativa não-linear correr suavemente, o roteiro tenta lidar com mais elementos do que realmente é capaz, o que acaba resultando em personagens unidimensionais e arcos dramáticos, em grande parte, desnecessários.
Um exemplo disso é o arco da personagem Esme Manucharian (Gugu Mbatha-Raw), que, ao fim, serve apenas para mostrar o quão insensível e inescrupulosa Sloane é. Percebe-se que esse arco também deveria aprofundar o outro centro temático da narrativa, que é o debate sobre o controle de armas nos EUA, mas, assim como no resto do filme, o tema é apresentado de forma desinteressante, ainda que incisiva.
Essa contradição é explicada pelo fato de que as informações apresentadas incisivamente não são nenhuma novidade para o espectador. Os argumentos a favor de um controle mais restrito apresentados por Sloane são lógicos e racionais, mas, no mundo real, o espectador sabe que não é a lógica ou a racionalidade que guiam os defensores do porte de armas por qualquer pessoa, independente do histórico de saúde mental.
Em suma, o grande atrativo de Armas na Mesa é a caracterização de Sloane como uma pessoa “quebrada”: inteligente mas insensível e mais obcecada do que dedicada, Sloane beira a sociopatia ao conduzir sua vida profissional de forma intensa e, aparentemente, sem se importar com os outros. Se tivesse uns 20 ou 30 minutos a menos, enxugando bem a trama política, esse filme seria uma das grandes joias de 2016.