Crítica: Sonhos de Trem
Train Dreams, EUA, 2025
Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Com uma abordagem naturalista e introspectiva, Sonhos de Trem utiliza a trajetória de vida de um homem nascido no final do Século 19 para refletir sobre a vida, a existência e a inconstância das coisas. Esse é mais um filme que nos leva a meditar sobre a experiência humana diante da grandiosidade do tempo e do universo ao nosso redor. Como referência, é possível dizer que a produção é comparável a obras como A Árvore da Vida e Sombras da Vida, apresentando o espectador a uma experiência que o coloca em maior contato com si próprio.
O estudo da História geralmente chama a nossa atenção para eventos grandiosos e dramáticos, como guerras, revoluções ou desastres naturais. Porém, a História também é feita por pessoas comuns que estão apenas tentando viver suas vidas e que, na maioria das vezes, estão alheias aos grandes acontecimentos que moldaram e ainda moldam o nosso mundo. Elas também não enxergam o fato de que suas vidas são afetadas por eventos que ocorreram há milhões de anos, além do fato de que suas escolhas e suas existências ainda terão consequências dentro de milhares ou de milhões de anos no futuro.
O protagonista de Sonhos de Trem é uma dessas pessoas. Robert Grainier (Joel Edgerton) é um lenhador que trabalha extraindo madeira para a construção das grandes ferrovias dos EUA, o que o leva a passar meses longe de sua esposa Gladys (Felicity Jones) e de sua filha pequena. Apesar de ser marcada por pequenas e grandes tragédias, sua vida é relativamente comum e sua existência não parece deixar marcas na épica história do nosso mundo.
Porém, apesar de ser apenas uma das vidas dentre as muitas que já existiram, que existem e que ainda existirão, a trajetória de Robert também tem seu lado épico e grandioso. Ele pode não ser um estadista ou um conquistador, mas ele é uma pessoa que nasceu, cresceu e teve experiências marcantes na superfície desse planeta. Sua felicidade não foi completa e sua infelicidade foi avassaladora, mas ele testemunhou grandes maravilhas e grandes transformações durante o “piscar de olhos” que foi a sua vida.
A trajetória de Robert também nos lembra de uma simplicidade que parece perdida nos dias atuais, mas que ainda pode ser encontrada se a cultivarmos em nós mesmos. Ele nos lembra de que nem todo mundo é um fanático político ou religioso que quer “destruir seus inimigos”; nem todo mundo está tentando ser ou se mostrar superior às pessoas ao seu redor; nem todo mundo está investindo grandes quantidades de tempo e dinheiro para projetar uma imagem de superioridade moral ou para tentar se encaixar em arbitrários padrões de beleza.
Em determinados pontos da narrativa de Sonhos de Trem, Robert percebe que a sua trajetória é parte de uma trajetória muito maior. As árvores que ele derruba já estavam ali muito antes de ele nascer e muito antes de seu país existir; já as grandes paisagens que ele vislumbra permanecerão existindo por muito tempo após a sua morte. De forma semelhante, o mundo já estava aqui muito antes do surgimento da humanidade, e ele provavelmente permanecerá em sua trajetória por muito tempo depois da nossa extinção.
Em um determinado dia há aproximadamente 65 milhões de anos, um grande meteoro atingiu a Península de Iucatã e provocou a extinção dos dinossauros, permitindo que os pequenos mamíferos que sobreviveram crescessem e se proliferassem. Há aproximadamente 300 mil anos, determinados tipos de primatas desenvolveram uma alta capacidade de raciocínio e de abstração, dando origem ao que hoje chamamos de humanidade. Já o degelo que teve início há aproximadamente 19 mil e que se acentuou há 13 mil anos provocou o rompimento de lagos glaciais (como o Missoula e o Agassiz), resultando em enxurradas de proporções bíblicas que moldaram grandes áreas continentais.
Há 6500 anos, o aumento do nível dos oceanos provocado ela mudança climática começou a inundar a região hoje conhecida como Doggerland, uma área continental que já abrigou seres humanos e que agora se encontra debaixo de centenas de metros de oceano. E por volta de 3000 anos atrás, as primeiras grandes civilizações humanas, algumas das quais durariam milhares de anos, começaram a ser erguidas.
Ainda assim, nenhum desses grandes acontecimentos diminuem a grandiosidade das nossas vidas e das nossas próprias trajetórias. A rigor, cada vida humana e cada um dos acontecimentos citados acima fazem parte da mesma sequência de eventos, que teve início com o surgimento do universo e que, teoricamente, terá um fim dentro de uma escala de tempo incompreensível para nós.
A narrativa de Sonhos de Trem acaba contextualizando toda essa grandiosidade com todas as nossas experiências pessoais e todo o amor que temos por nosso entes queridos. Há violência, tragédia e sofrimento no caminho percorrido por Robert, mas também há amor, solidariedade e companheirismo. De uma forma ou de outra, sua vida teve significado e valeu a pena ter sido vivida.









