Crítica: O Que Ficou Para Trás
His House, EUA/Reino Unido, 2020
Filme funciona tanto como um importante comentário social quanto como um terror de primeira qualidade
★★★★★
O que mais impressiona em O Que Ficou Para Trás é que tanto o terror quanto o drama funcionam em capacidade máxima. O filme não apenas é capaz de assustar de forma eficaz mas também de comover com uma trama genuinamente emocionante. A forma como o diretor Remi Weekes manifesta os traumas do casal de refugiados Bol (Sope Dirisu) e Rial (Wunmi Mosaku) mistura os terrores causados pela guerra com a ameaça proporcionada por uma misteriosa entidade sobrenatural.
Aqui, a casa é mal-assombrada não por causa de moradores anteriores, mas sim devido aos “fantasmas” que os moradores atuais trouxeram da zona de guerra do Sudão do Sul e da árdua jornada até a Inglaterra. O luto por aqueles que ficaram para trás e a culpa pelas decisões tomadas ao longo do caminho se manifestam na forma de uma figura do folclore africano que vem cobrar uma “dívida”. A trama de O Que Ficou Para Trás já funcionaria muito bem sem o aspecto sobrenatural, podendo focar nas questões de saúde mental que afetam essas pessoas. O roteiro também poderia ter tomado uma rota semelhante a de Irmãs Separadas (crítica aqui), mostrando tanto a realidade dos refugiados quanto a daqueles que preferiram ficar.
Mas a adição do terror eleva o material para outro nível. Em seus melhores momentos, os sustos e o clima tenso e sufocante lembram filmes como Hereditário (crítica aqui) e Quando as Luzes se Apagam (crítica aqui), mas com elementos dramáticos ainda mais eficazes e relevantes. Nesse sentido, o filme de Weekes também lembra Sob a Sombra, outra produção que usa elementos de folclore para representar uma complicada situação política.
A trama sobrenatural de O Que Ficou Para Trás também serve para representar um dos lados mais injustos do processo de integração: os refugiados precisam mostrar para assistentes sociais que são perfeitamente estáveis e responsáveis enquanto também precisam lidar com a depressão e o estresse pós-traumático causados pelo conflito e pela jornada. Eles precisam se apresentar como cidadãos perfeitamente exemplares depois de terem passado por alguns dos momentos mais difíceis de suas vidas, justamente quando podem parar e sentir todo o peso psicológico de tudo o que passaram e de tudo o que perderam.
E os protagonistas lidam com o trauma e com a ameaça sobrenatural de forma diferente. Enquanto Bol se agarra ao novo lar e não está disposto a deixar o passado restringir o seu futuro, Rial encara com menos medo e mais pessimismo a realidade de sua situação. A culpa que ela sente por ter sobrevivido é maior do que a sua vontade de seguir em frente. Ao contrário de Bol, ela não pode simplesmente superar as pessoas que ficaram para trás.
Se a direção de Weekes garante o terror, são as atuações de Dirisu e Mosaku que garantem a profundidade e a seriedade do drama. Os dois atores fazem a diferença em uma trama cujo peso depende principalmente de suas capacidades de transmitirem as emoções e as experiências desses personagens, que são em muitos aspectos inspirados em pessoas e dramas reais. Matt Smith, por sua vez, faz um ótimo trabalho como um assistente social que não é nem tão indiferente nem tão empático quanto poderia ser, mas que pelo ajuda o casal a navegar a burocracia da solicitação de asilo.
Tudo isso transforma o que poderia ser apenas um pequeno filme de terror em uma obra muito mais profunda e satisfatória, funcionando tanto como um importante comentário social quanto como entretenimento de primeira qualidade. O Que Ficou Para Trás nos lembra dos dramas dos milhões de refugiados existentes hoje no mundo e da importância de evitar o surgimento de novas zonas de conflitos impulsionados pela instabilidade política.