Crítica: Luta de Classes
Highest 2 Lowest, EUA, 2025
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★★★☆☆
No papel, a ideia do diretor Spike Lee de fazer a sua própria versão de Céu e Inferno parece perfeita, com o renomado diretor trazendo a história para uma vibrante Nova York do Século 21. Porém, o resultado de Luta de Classes é, no máximo, mediano. A trama oferece uma inconsistente e sobrecarregada jornada cinematográfica, marcada tanto por grandes momentos em termos de drama e estilo quanto por cenas que destoam do restante da narrativa e do foco temático. O filme acaba sendo uma mistura de O Plano Perfeito com Destacamento Blood, mas não funciona tão bem quanto nenhum deles isoladamente.
O sequestro do filho do executivo do mundo da música David King (Denzel Washington) dá início a uma sequência de eventos que colocam em prova sua relação com seu motorista de longa data Paul Christopher (Jeffrey Wright). Quando o sequestro é anunciado, King e sua esposa Pam (Ilfenesh Hadera) estão prontos para pagar o resgate de US$ 17,5 milhões de dólares. Porém, quando é revelado que os sequestradores levaram o filho de seu motorista por engano, a situação fica mais “complicada” e King já não está tão disposto a realizar o pagamento.
Ao invés de ir fundo nesse dilema moral, a narrativa se limita a permitir que os personagens apresentem suas justificativas e seus pontos de vista, deixando para o espectador a tarefa de julgar as escolhas feitas por eles. Mesmo depois que esse dilema é superado, ainda são os personagens que apresentam as lógicas de suas ações no contexto de suas obsessões, de suas histórias de vida e de suas posições sociais. No mais, o que sobra é a sobreposição do tratamento de rei que a polícia reserva ao milionário David e a imediata suspeita e rispidez dispensada a Paul, que possui antecedentes criminais.
Essa estratégia narrativa é perfeitamente válida, mas não permite que a trama elabore seus temas de forma tão eficaz quanto em filmes como Expresso do Amanhã ou Parasita. A premissa tinha potencial para ir tão fundo quanto séries como Round 6 e Os Favoritos de Midas, revelando o quão longe as pessoas estão dispostas a ir em nome do ganho financeiro e como elas podem se tornar capazes de precificar vidas em determinadas condições. Porém, a narrativa não consegue se manter focada por tempo suficiente para desenvolver esses temas de forma realmente eloquente.
O que fica claro é que, para David, faz todo sentido colocar em jogo tudo o que ele construiu e o fechamento de um grande negócio para salvar a vida do próprio filho. Porém, quando a vida em risco é a do filho de Paul, a conta já não é bem essa. Nesse momento, por mais que normalmente se tratem e se considerem grandes amigos, Paul acaba sendo lembrado de sua posição como motorista da família. Essa é uma realidade bem conhecida no Brasil: ele é “praticamente” da família; mas quando o assunto é dinheiro ele é, antes de mais nada, um funcionário, e a família não lhe deve nada além de um salário.
Por outro lado, enquanto David se vê como um visionário que trabalhou duro para construir uma respeitada gravadora, o sequestrador o vê como um privilegiado que precisa ser castigado. Em tempos de Instagram, TikTok e outras redes sociais, a obsessão do criminoso com David e sua família o impede de construir algo para si próprio. Ele deposita todas as suas esperanças na remota possibilidade de que um grande executivo irá escutar sua música e gostar o suficiente para investir em sua carreira.
Ao fim, é possível perceber que dinheiro e poder transformariam esse criminoso em uma pessoa bem menos humilde e bem menos sensata que David. Por sua vez, David percebe que precisa tomar cuidado para não se tornar tão superficial e arrogante quanto o homem que tentou sequestrar o seu filho. Talvez Luta de Classes não seja sobre o que as pessoas são capazes de fazer por dinheiro, mas sim sobre o que o dinheiro é capaz de fazer com as pessoas.
O elemento mais inconsistente de Luta de Classes é sua trilha sonora. Por ser ambientado no contexto da indústria da música, a narrativa inicialmente dá sinais de que esse será um filme altamente musical, com batidas envolventes ajudando a estabelecer o clima e o ritmo da história. Porém, em vários momentos, essas batidas envolventes são substituídas por melodias básicas e repetitivas que testam a paciência do espectador e que podem ser comparadas a música de elevador.
Para piorar, esse lado mais fraco da trilha sonora é inserido em vários momentos importantes, retirando parte do peso dramático e da tensão de cenas que deveriam capturar completamente a atenção do espectador. Ao invés disso, a trilha sonora acaba servindo como uma distração e prejudica a imersão do público em algumas das cenas mais importantes. Esses são momentos que funcionariam bem melhor sem trilha sonora, ou com uma trilha sonora que realmente amplificasse o impacto das imagens.
Felizmente, ainda é possível perceber a intensidade da atuação de Denzel Washington em meio a esse emaranhado de inconsistências e distrações. As cenas protagonizadas por ele ao lado de Jeffrey Wright e do rapper A$AP Rocky (que é uma das surpresas positivas da produção) são os destaques indiscutíveis da trama. Em determinado ponto, há uma “batalha de rap” que é um dos momentos mais inteligentes, estilosos e satisfatórios da narrativa.
Mesmo sem um desenvolvimento mais elaborado de seus temas, Luta de Classes ainda poderia ser um thriller no estilo de exemplares como Conduta de Risco ou A Negociação. Ao invés disso, o diretor Spike Lee prefere recontar a história original enquanto a permeia com muitas de suas preferências e experiências pessoais como nova-iorquino. A cidade de Nova York é uma importante personagem da trama, mas esse aspecto fica aquém do que foi feito recentemente no filme Ladrões, produção menos ambiciosa que acerta em muitos dos pontos nos quais Lutas de Classes errou.