Crítica: Jogador Nº 1
Ready Player One, EUA, 2018
Esse é o melhor filme de ação de Steven Spielberg desde Minority Report
★★★★☆
Com um roteiro que pode, no melhor caso, ser considerado “padrão”, Jogador Nº 1 se sustenta com base na ação e nas incontáveis referências à cultura pop dos EUA dos anos 1960 até recentemente, que pode ser considerada a temática central desse filme. Talvez o tema principal que o diretor Steven Spielberg quisesse abordar fosse o da alienação de jovens e adultos diante das inúmeras “realidades alternativas” nos quais eles podem mergulhar cada vez mais fundo, mas essa é uma mensagem que o roteiro e o diretor entregam de forma ingênua e anacrônica, como se o público alvo também estivesse na segunda metade do século XX. Apesar disso, o cineasta mostra que ainda tem o talento necessário para entregar um filme de ação de tirar o fôlego, sendo seu melhor trabalho no gênero desde Minority Report: A Nova Lei.

No caso de Jogador Nº 1, que segue à risca a fórmula acima, o nerd padrão é Wade Watts (Tye Sheridan) que com seu avatar Parzival descobre a primeira chave para um super easter egg deixado pelo trilionário James Halliday (Mark Rylance) em sua grande criação: o OASIS. Esse sistema é um universo de realidade virtual que já não é apenas um jogo no ano de 2044, pois é onde a maioria da população passa a maior parte do tempo e realiza o grosso das atividades econômicas do mundo. O citado easter egg dará a quem o encontrar total controle sobre a plataforma, o que desperta o interesse da corporação IOI, chefiada por Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), grande vilão do filme.
Watts conta com a ajuda de seu melhor amigo Aech, um avatar masculino alto e musculoso que obviamente será revelado ser alguém completamente diferente na vida real. Isso acontece quando ficamos sabendo que ele na verdade é Helen (Lena Waithe), uma mulher negra e lésbica que em nada lembra seu avatar. O mesmo não pode ser dito de Art3mis/Samantha (Olivia Cooke), a jovem e atraente avatar por quem Watts/Parzival se apaixona no jogo e que é, convenientemente, uma moça jovem e atraente na vida real. O diretor tenta mostrá-la como uma personagem forte e independente, mas isso não muda o fato de que ela é apenas o “player 2” do protagonista e nunca está realmente à altura dele (exemplos de como isso pode ser feito de forma mais equilibrada estão nas coadjuvantes de No Limite do Amanhã – crítica aqui – e Missão Impossível: Nação Secreta – comentário aqui).
Claramente, esse roteiro não é nenhum Black Mirror. Porém, ele é muito bem executado por Spielberg, que não deixa a narrativa ficar tão cansativa quanto poderia ser e compensa a previsibilidade com impressionantes sequências de ação. A cena de abertura é um deleite para os olhos e ouvidos de qualquer fã de cultura pop (que ainda é um pouco difícil de definir, como podemos ver aqui e aqui), mas é na primeira sequência de ação que o espectador é realmente fisgado: uma corrida na qual Parzival dirige um DeLorean de De Volta Para o Futuro enquanto Art3mis monta nada mais nada menos que a motocicleta vermelha de Shotaro Kaneda, do clássico Akira.
O que torna esses elementos relevantes o suficiente para compensar as limitações do roteiro é a forma como eles são usados: o espectador está vendo não apenas uma cena de ação intensa e alucinante, mas sim uma cena que, além dessas características, conta com a presença de itens icônicos de filmes e desenhos que a maioria das pessoas cresceu assistindo. Mais que isso, esse itens são usados de forma fiel ao material fonte. Em outras palavras, mais do que uma série de referências soltas, é como se estivéssemos assistindo a um grande mashup da cultura pop dos últimos 50 ou 60 anos.

Há referências menores para Chucky (o Brinquedo Assassino), Street Fighter (sim, alguém solta um Hadouken), Mortal Kombat, Jurassic Park, Tartarugas Ninja, Batman, RoboCop, Halo, Star Wars e Star Trek (que é o tema do “funeral” pré-filmado no qual Halliday anuncia seu legado), dentre muitos outros. A citação favorita do excêntrico Halliday vem do Lex Luthor de Superman: O Filme: “Algumas pessoas podem ler Guerra e Paz e sair achando que se trata apenas de uma simples aventura. Outras podem ler os ingredientes em uma embalagem de chiclete e desvendar os segredos do Universo.” Na frente musical, o filme é embalado por clássicos de bandas como A-Ha, Van Halen, Duran Duran, Twisted Sister e Bee Gees.
Essa é mais uma produção que funciona, acima de tudo, como um divertido veículo de nostalgia, como as séries Stranger Things e Everything Sucks!, e os filmes Scott Pilgrim Contra o Mundo, Detona Ralph, Uma Aventura Lego e LEGO Batman: O Filme. Desses, o único que se iguala a Jogador Nº 1 em termos de referências pop é o também alucinante Uma Aventura Lego. Porém, essa animação tem um roteiro mais profundo e inspirado, lidando com temas como conformismo, autoritarismo e livre arbítrio, enquanto surpreende em seu ato final com um genuíno e tocante drama familiar.
Em suma, Jogador Nº 1 foi feito sob medida para explodir a cabeça dos nerds de plantão. Spielberg mostra que ainda tem seu “toque mágico” ao transformar um roteiro medíocre em uma experiência cinematográfica altamente satisfatória. O diretor usa com maestria centenas de referências à cultura pop para montar um greatest hits tanto de sua cinematografia quanto da infância e juventude das muitas pessoas que cresceram nas salas de cinema ou na frente da TV.







