CLT: Pontos e Contrapontos


Recentemente, o modelo de emprego estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem sido alvo de críticas e até mesmo de deboches, chegando a se tornar um meme nas redes sociais. Na raiz desse movimento estão fatores novos e antigos que se misturam para provocar essa rejeição. Esse é o tipo de movimento que pode desencadear tanto novos ganhos para os trabalhadores quanto previsíveis retrocessos e precarizações nas relações de trabalho.

Em primeiro lugar, é importante notar que muitas das críticas não são direcionadas à CLT em si, mas sim ao modelo empregatício que se tornou dominante nas sociedades industriais, o trabalho assalariado. Nesse modelo, o trabalhador vende sua força de trabalho por um valor fixo que é pago mensalmente ou semanalmente pelo empregador. Anteriormente, as relações de trabalho eram marcadas por práticas de servidão ou escravidão.

Em séries como O Urso e Carol e o Fim do Mundo é possível ver como algumas pessoas tentam encontrar satisfação e significado em suas profissões. Mais do que a garantia de um salário fixo, elas estão em busca de ocupar suas vidas com atividades inerentemente recompensantes. Porém, a popular série Ruptura e filmes como Amor sem Escalas e Como Enlouquecer seu Chefe revelam lados bem mais negativos dessas relações, com pessoas ocupando seus dias com atividades maçantes e sendo tratadas de forma desumanizante.

O caso de Ruptura é o mais emblemático, pois mostra uma empresa na qual parte dos funcionários pode dividir sua consciência em duas partes: uma que só existe no ambiente de trabalho e outra que é a personalidade original do trabalhador. Dessa forma, a pessoa original tem a impressão de que nunca precisa trabalhar e jamais precisa lidar com o estresse causado por chefes, metas ou atividades maçantes.

Parte da chamada Geração Z (formada por pessoas que nasceram após 1997) também não está nada interessada em lidar com essas características mais “chatas” do trabalho assalariado. Isso se deve, em parte, devido à constatação de que as recompensas por passar décadas trabalhando de forma assalariada jamais valerão à pena. Enquanto gerações anteriores podiam sonhar com estabilidade financeira e casa própria mesmo com empregos medianos, as gerações mais recentes veem essas possibilidades se tornarem cada vez mais distantes.

É por isso que a CLT pode acabar sendo vista como a grande “vilã”, mesmo ela não sendo a causa raiz do problema. Ainda assim, a CLT, que passou por uma reforma em 2017, também possui as suas imperfeições.

Antes de entrarmos nos problemas reais que esse modelo possui, é importante entender as motivações por trás dele. Dentre elas, estão as abusivas condições de trabalho que surgiram durante a Primeira Revolução Industrial, com jornadas de trabalho extenuantes e pouquíssimos direitos para os trabalhadores.

Sendo assim, a CLT tenta proteger o trabalhador de abusos e lhes dar certas garantias, como 13º salário, férias remuneradas e pagamento de hora extra. Porém, essas e outras garantias também significam um grande aumento na carga tributária para os empregadores. Para muitos, os custos associados com as contratações no modelo CLT podem ser proibitivos, chegando a dificultar a criação de novos postos de trabalho.

Devido a isso, os críticos da CLT defendem uma extrema flexibilização dessas regras. A ideia é que, se não fossem obrigados a pagar aos encargos criados pela CLT, o setor privado conseguiria pagar salários mais altos e criar mais postos de trabalho, o que compensaria os supostos diretos perdidos pelos trabalhadores.

Entretanto, para avaliar a validade desse argumento, é preciso entender as pressões sofridas pelos empregadores. Para uma empresa, a folha de pagamento de funcionários é um passivo, ou seja, uma fonte de despesas. Para manter a saúde financeira do negócio, um empresário responsável deve estar sempre tentando aumentar a receita e diminuir as despesas de sua operação, maximizando o seu lucro. Como a folha de pagamento é um passivo, ela inevitavelmente será uma das despesas que o empregador estará tentando diminuir, quando possível.

Dessa forma, não há como garantir que os encargos que o empregador economizaria com a extinção da CLT realmente seriam convertidos em ganhos reais para o trabalhador. Os salários poderiam até ser aumentados, mas dificilmente subiriam o suficiente para compensar o 13º salário, as férias remuneradas, os adicionais de hora extra ou mesmo as contribuições obrigatórias para o INSS e o FGTS. Se esses encargos fossem automaticamente convertidos em ganhos para os trabalhadores, o empregador estaria basicamente abrindo mão das vantagens trazidas pela extinção da CLT.

Em setores nos quais os salários já são mais altos (acima de três salários mínimos) a flexibilização da CLT poderia até fazer sentido, pois esses trabalhadores teriam mais margem de manobra para gerenciar os próprios ganhos. Em setores menos privilegiados, isso poderia acarretar um “achatamento” dos salários, além de abrir espaço para situações mais abusivas.

Outro ponto defendido pelos críticos da CLT é que sua extinção (ou flexibilização) permitiria uma realidade mais próxima da dos Estados Unidos da América, onde os salários são mais altos. Porém, esse ponto ignora o fato de que o custo de via por lá também é bem maior, sendo difícil até para a população local, que em parte depende do programa de vale refeição SNAP (que seria o Bolsa Família deles).

Outros retratos da situação social do país podem ser vistos em filmes como Nomadland e no premiado documentário Indústria Americana. No vídeo abaixo, o autor fala um pouco sobre as oportunidades e sobre a insegurança social nos EUA.

Dessa forma, fica claro que mais flexibilização nas leis trabalhistas não significa necessariamente salários mais altos, além de poder empurrar o trabalhador para a insegurança do trabalho informal, dependendo de “bicos” para sobreviver. Além disso, nos EUA, os trabalhadores não possuem direito a licença maternidade remunerada e nem a férias remuneradas. Na prática, apesar de não serem obrigadas, muitas empresas oferecem 10 dias de férias remuneradas por ano, além de oferecerem alguns poucos dias nos quais o trabalhador pode faltar por motivos de saúde.

Outros detalhes sobre as leis trabalhistas dos EUA podem ser vistos no vídeo abaixo:

Para algumas pessoas, essa situação pode até ser desejável, preferindo elas mesmas gerenciarem seus recursos e serem responsáveis pela alocação deles. Por exemplo, ao invés de ter a garantia de férias remuneradas, o trabalhador poderia se organizar e juntar dinheiro o suficiente para tirar férias não remuneradas sem passar por dificuldades. É claro que isso parte do pressuposto de que ele possui um ótimo salário e que seu empregador é flexível o suficiente para permitir as férias sem cancelar o contrato de trabalho.

Esse modelo autogerenciável é mais adequado para pessoas que já possuem uma boa disciplina e uma mentalidade de empreendedor, estando dispostas a dedicar sangue, suor e lágrimas em prol de um sucesso financeiro diferenciado. Histórias de pessoas com esse perfil podem ser vistas em filmes como BlackBerry, A Grande Jogada e O Ano Mais Violento, além da minissérie Batalha Bilionária. Todas essas produções realçam as dificuldades e os obstáculos que os empreendedores precisam superar. Mesmo os casos nos quais as coisas não dão certo no final possuem válidas lições de planejamento e liderança.

Para quem está mais interessado em ter uma situação financeira saudável e manter um bom equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, um emprego assalariado pode ser o suficiente. Nesse caso, as garantias oferecidas pela CLT podem aumentar ainda mais a tranquilidade do trabalhador. Por outro lado, ter um emprego assalariado e não ter direitos garantidos parece ser o pior de dois mundos.