Crítica: Pelé
Pelé, Brasil/Reino Unido, 2021
Documentário da Netflix mostra a trajetória do craque em paralelo com a trajetória do país
★★★★☆
Apesar de ser relativamente superficial, o documentário Pelé serve como um ótimo resumo e uma fantástica homenagem à carreira do craque considerado o maior futebolista de todos os tempos. Para contar essa história, os diretores Ben Nicholas e David Tryhorn incluem o contexto político-cultural do Brasil na era de ouro do Rei do Futebol, cobrindo as controversas relações do atleta com a mídia e com a ditadura militar brasileira. E se nada disso importar ao espectador, o filme pelo menos traz alguns dos impressionantes lances protagonizados por ele e pelas seleções brasileiras das quais ele participou entre 1958 e 1970.

Até hoje, Pelé é criticado pela falta de posicionamento político durante aquela época. Porém, essa despolitização talvez seja um reflexo de suas próprias origens. Enquanto nas cidades de grande e médio portes a ditadura militar teve efeitos claros sobre a liberdade de expressão e de manifestação política, para o Brasil profundo do qual ele veio a diferença era mínima. Para esse Brasil, ser politicamente engajado era sinônimo de torcer fanaticamente para (ou odiar intensamente) o político mais popular do momento, seja ele de esquerda ou de direita. O que Pelé não sabia é que não se posicionar politicamente também é um posicionamento político.
Obviamente, todas as correntes políticas estavam interessadas em ter o apoio do grande ídolo popular. Conquistar o apoio de Pelé significava conquistar o apoio de uma parte considerável da população brasileira. As pessoas projetavam nele um ideal de Brasil ao qual elas podiam aspirar, semelhante à forma como a família real britânica serve como um símbolo de um ideal de nação para os países membros do Reino Unido. Porém, como mostrado na série The Crown (resenha aqui), ser um símbolo nacional possui suas desvantagens e limitações.

Me fizeram pensar na época na minha carreira, na minha vida, no meu futuro que estava por vir, em como respeitar e tratar as pessoas. E viajando no mundo todo, conheci presidentes da República, atletas, políticos famosos, cantores, mágicos, enfim (…) Eu procurava nunca mostrar para ele que era o Pelé, isso aprendi com minha família. Eu nunca quis ser mais importante, nem melhor que ninguém. Eu era um excelente jogador de futebol, porque Deus me ajudava muito, e procurava passar isso para as pessoas. Acho que é por isso que hoje, em qualquer país do mundo que eu vá, eu tenho as portas abertas.
Isso significa que, além de ser um gênio do futebol, Pelé também foi um prodígio das relações públicas. O documentário mostra como o astro deixou que a mídia criasse o “mito” de Pelé ao seu redor e como ele passou vários anos ganhando dinheiro com publicidade. Nas entrevistas, suas respostas eram sempre vagas e educadas, visando agradar ao entrevistador e sem jamais deixar transparecer qualquer vestígio de opinião. Dos momentos mostrados no filme, é apenas quando fala de sua inimizade com o ex-técnico João Saldanha que ele faz comentários mais incisivos.
No geral, o documentário Pelé não serve para mostrar o homem por trás do mito, mas sim para nos lembrar do motivo pelo qual o mito existe. Mais que isso, o filme mostra o nível de pressão ao qual ele estava submetido e como ele conseguiu suportá-la por tempo suficiente para planejar uma saída honrosa. Figuras menores já sucumbiram sob o peso da fama e do estrelato, mas, além de ser um jogador genial, Edson Arantes do Nascimento também estava preparado para suportar as consequências de sua genialidade.







