Crítica: O Sobrevivente (2025)

The Running Man, Reino Unido/EUA, 2025



Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


Como trama distópica e crítica social, o roteiro de O Sobrevivente pode ser considerado imperfeito, faltando sutileza em alguns momentos e contundência em outros. Porém, como filme de ação, a produção não deixa a desejar e garante que o pulso do espectador permaneça acelerado durante a maior parte do tempo. Não é uma experiência tão original e estilosa quanto se poderia esperar do diretor Edgar Wright, conhecido por obras como Chumbo Grosso, Scott Pilgrim contra o Mundo e Em Ritmo de Fuga, mas ainda assim são duas horas de ação, adrenalina e diversão garantidas.

O aspecto distópico de O Sobrevivente já foi explorado de formas mais extensivas na série Black Mirror, especialmente em episódios que lidam com a mercantilização da saúde (como o recente Pessoas Comuns) e com os efeitos perniciosos das mídias de massa (como Urso Branco e Odiados pela Nação). No universo do filme, o desempregado Ben Richards (Glen Powell) está em uma “lista negra” de empregadores por ter entrado em contato com um sindicato e não possui dinheiro o suficiente para comprar remédios para sua filha doente.

Note que os remédios que ele precisa são para gripe (!), e não para alguma doença rara ou de tratamento complexo. Em países com sistemas públicos de saúde, como o Brasil, o Reino Unido e o Japão, tanto os exames quanto os tratamentos provavelmente seriam oferecidos sem custos adicionais.

Diante dessas dificuldades financeiras e de uma oferta “generosa”, Ben acaba aceitando participar de um violento reality show, durante o qual ele será caçado pelas ruas dos EUA ao longo de 30 dias. O “espetáculo”, comandado pelo apresentador Bobby T (Colman Domingo), é acompanhado por milhões de pessoas sedentas de sangue. Em seu encalce, há o grupo de Caçadores liderado por Evan McCone (Lee Pace), além dos cidadãos que estão interessados nas recompensas por denunciar ou matar os concorrentes.

Essa é a segunda adaptação do romance O Concorrente, de autoria de Stephen King e publicado originalmente em 1982. O roteiro poderia ter feito um esforço para incluir na trama elementos característicos da era da Internet e das mídias sociais, mas a produção está muito mais interessada em ser um filme de ação do que em ser uma cerebral análise de fenômenos midiáticos. Ainda assim, a história oferece inúmeros pontos de reflexão para o espectador que estiver interessado neles.

Nesse sentido, um dos aspectos mais interessantes da trama é a forma com a qual a opinião pública é manipulada pelo reality show. Para que os espectadores não se sintam culpados por se divertirem com os assassinatos brutais, Bobby T e o executivo Dan Killian (Josh Brolin) apresentam os participantes como bandidos e degenerados que precisam ser punidos. Previsivelmente, Ben Richards consegue virar esse jogo em alguns momentos, mas isso não quer dizer que ele realmente “subverteu” o sistema.

Pela lógica do programa, os Caçadores devem ser vistos como “heróis”, enquanto os concorrentes seriam os “vilões” da narrativa. Isso dá ao público a “liberdade” para odiar os concorrentes e comemorar suas execuções pelas mãos dos Caçadores. Esse é um estilo de moralidade que já acompanha a humanidade há milhares de anos e que não dá margem para subjetividades ou contextualizações, com cada pessoa sendo considerada completamente boa ou completamente má.

Essa moralidade simples e binária pode até ser confortável para o espectador, mas ela também viabiliza inúmeros crimes e injustiças contra a humanidade. Mesmo se esse tipo de lógica fosse aceitável, ainda haveria o problema de como escolher quem é o vilão e quem é o herói da história. Em O Sobrevivente, a equipe do reality show faz um uso extensivo de novas tecnologias para fabricar vídeos completamente falsos e convencer os espectadores de qualquer coisa que os executivos queiram.

No geral, o público não possui as ferramentas necessárias para identificar essas falsidades, se limitando a acreditar nas imagens e nos sons que o programa coloca em seus televisores. Mesmo se tivessem a capacidade de conferir a veracidade do conteúdo, muitos espectadores ainda iriam preferir acreditar na fantasia, pois ela é muito mais conveniente e simples de entender.

No mundo real, fenômenos como os das fake news e das psicoses induzidas por inteligência artificial nos ensinaram que as pessoas tendem a acreditar nos conteúdos que confirmem as suas crenças e que elas queiram que seja verdade, e não nas informações mais verificáveis e objetivas.

Assim, quando o protagonista de O Sobrevivente passa a ser visto como um herói e mostra que os executivos são os verdadeiros vilões, ele apenas direciona a fúria assassina das massas para outra direção. Ao invés de questionar a sede de sangue causada por percepções midiáticas facilmente manipuláveis, o filme questiona apenas a direção para a qual esses impulsos assassinos estão direcionados. Não seria difícil para o departamento de marketing reverter essa situação.

Reflexões morais à parte, a ação de O Sobrevivente é boa o suficiente para justificar essa nova adaptação e para manter o espectador entretido. Porém, o “final feliz” do protagonista vem com um gosto amargo, já que sua vitória é muito mais um triunfo pessoal do que uma garantia de que o mundo no qual ele está vai se tornar um lugar melhor.