Crítica: Frankenstein (2025)
Frankenstein, EUA, 2025
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★★★★☆
O que o diretor Guillermo del Toro tenta fazer com esse Frankenstein é uma adaptação definitiva da obra de Mary Shelley. Depois de mais uma adaptação questionável feita há dez anos em Victor Frankenstein, essa nova versão da história conta com os luxuosos e estilosos visuais góticos típicos de Del Toro, invocando seu trabalho em obras como A Colina Escarlate e A Forma da Água. A narrativa em si conta com uma abordagem tão melodramática quanto poética, o que pode ser demasiadamente antiquado para parte das audiências atuais.
Em uma paisagem isolada no Círculo Ártico, duas figuras trágicas contam as histórias de suas existências. O cientista Victor Frankenstein (Oscar Isaac) revela como o duro tratamento de seu pai Leopold (Charles Dance) e o falecimento prematuro de sua mãe Claire (Mia Goth) o tornaram obcecado com a ideia de superar a morte. Por outro lado, sua Criatura (Jacob Elordi) revela o sofrimento de ser fruto de um homem que é capaz de enxergar apenas as próprias necessidades e se nega a lhe dar o afeto que se espera de um pai.
Essa nova versão do clássico da literatura realça tanto a desumana obsessão de Victor quanto a dolorosa angustia existencial da Criatura. Apesar da história em si ser um tanto previsível para quem já conhece o material original ou outras adaptações, o estilo de Del Toro se sobressai e mantém o espectador hipnotizado durante a maior parte da projeção. Mas ele não deixa esse estilo se sobrepor ao conteúdo (que é o que ocorre no recente Nosferatu) e nem tenta manter os pés fincados firmemente no chão (a exemplo do também recente Lobisomem).
Dessa forma, essa é uma adaptação que se compara ao visualmente estimulante Drácula de Bram Stoker, apesar de ser muito mais um suspense psicológico do que uma aventura. A trama também remete à melancólica adaptação feita da história de Frankenstein na série Penny Dreadful, na qual o Dr. Victor Frankenstein (Harry Treadaway) e sua Criatura (Rory Kinnear) são importantes personagens ao longo das três temporadas. A abordagem da série, assim como a do filme atual, também é extremamente filosófica e poética.
Nos dois casos, a experiência da Criatura é marcada acima de tudo pela solidão de uma existência que não se encaixa nos padrões oferecidos por seu mundo, lhe restando apenas, dentre todos os sentimentos humanos, fúria e melancolia. Ainda assim, tanto em Frankenstein quanto em Penny Dreadful, a jornada da Criatura representa muito menos uma busca por vingança e muito mais uma busca pela humanidade que lhe foi negada por seu criador.
Curiosamente, uma versão bem mais moderna dessa trama e desses temas pode ser encontrada na série Alien: Earth, também lançada em 2025. A história apresenta um futuro no qual um jovem trilionário obcecado com a vida eterna transfere as mentes de crianças para corpos de androides, tendo resultados bem diferentes do que ele esperava.
É interessante notar as semelhanças e as diferenças entre as duas tramas: no filme Frankenstein, um cientista cria uma pessoa a partir dos corpos de prisioneiros e de vítimas de uma guerra (e a produção não economiza no sangue e nas entranhas); na série Alien: Earth, os corpos são sintéticos, mas as mentes são tiradas de pessoas reais. Nos dois casos, os “gênios” narcisistas são amaldiçoados com obsessões que levam a suas ruínas; já suas “criaturas” são amaldiçoadas com todas as angustias de uma vida tão incompleta quanto eterna.
Talvez o aspecto mais envolvente de Frankenstein seja a intensa jornada de Victor. Com a ajuda de uma dominante atuação de Oscar Isaac e de uma estonteante combinação de cinematografia e direção de arte, a trama se mantém veloz e pulsante durante a épica história do cientista. A narrativa dá uma “esfriada” quando mostra a penosa trajetória da Criatura, ainda que esse trecho seja importante para mostrar como o personagem conseguiu o aprendizado e o afeto que ele jamais recebeu do cientista que o criou.
Parte desse afeto vem de Elizabeth Harlander (Mia Goth), que também é objeto de desejo de Victor, apesar de ser noiva de seu irmão William Frankenstein (Felix Kammerer). Talvez essa seja a personagem mais diferente da obra original, já que, além dos detalhes já citados, ela se torna a primeira pessoa a enxergar a Criatura como um ser humano e lhe tratar como tal, chegando a ficar preocupada com seu bem-estar. Mais que isso, ela se identifica com a inadequação do personagem, já que ela também não se sente parte do mundo ao seu redor.
Esses aspectos da trama centrados em Elizabeth acabam sendo os mais questionáveis de Frankenstein. Percebe-se que a personagem merecia uma seção da história centrada em sua própria trajetória, o que deixaria mais claro por quais motivos ela se sente tão deslocada e porque a Criatura conquista a sua atenção de forma tão magnética. Ainda assim, ela se encaixa relativamente bem na proposta melancólica e poética da produção.
No geral, o estilo e a sensibilidade de Guillermo del Toro fazem toda a diferença nessa ótima adaptação de Frankenstein. Mesmo abrindo mão de boa parte do terror, a trama se justifica com um ótimo desenvolvimento dos dois personagens centrais, além dos fantásticos visuais e de algumas ótimas cenas de ação. Porém, se essa será considerada uma adaptação definitiva, apenas o tempo dirá.