Os Comunistas Estão Chegando


Em O Grupo Baader-Meinhof vemos uma dramatização da história do grupo terrorista alemão auto-intitulado Facção do Exército Vermelho. O grupo foi formado em 1970 por jovens de extrema-esquerda inconformados com as políticas externas de seu país e, principalmente, dos Estados Unidos. O início do filme mostra a violenta repressão policial à um protesto estudantil contra uma visita oficial do Xá da Pérsia, um sanguinário ditador que contava com total apoio das potências ocidentais.

Além disso, os telejornais exibiam as fortes imagens de bombardeios por napalm no Vietnã e reportavam as inúmeras mortes de civis durante tais bombardeios. Isso causava grade revolta não apenas contra os Estados Unidos, mas, mais uma vez, contra o próprio governo, que não se opunha às ações dos americanos. Cansados de apenas protestar contra o que eles viam como um possível retorno do fascismo, esse pequeno grupo de radicais chega à conclusão de que a melhor forma de impedir essas ações é através da luta armada.

Se definindo como um grupo comunista de guerrilha urbana, eles dão início à uma série de atentados contra juízes e outros funcionários públicos, mas acabam matando também pessoas que não eram seus alvos, como em um mal planejado atentado à editora Springer. Ao longo de sua existência, o grupo foi responsabilizado por um total de 34 mortes. Esse instigante filme de ação mostra a relevância histórica desse grupo por suas relações com extremistas islâmicos e com o próprio surgimento do terrorismo moderno.

Já no documentário O Ato de Matar, vemos criminosos de guerra indonésios explicando orgulhosamente os massacres que cometeram entre 1965 e 1966. Hoje, eles são (ou pelo menos eram, até o filme ser lançado) considerados heróis nacionais que tiveram um importante papel na derrocada da ameaça comunista. Os letreiros iniciais do filme explicam a situação:

Em 1965, o governo indonésio foi derrubado pelos militares. Qualquer um que se opunha à ditadura militar poderia ser acusado de ser um comunista: sindicalistas, trabalhadores rurais sem terra, intelectuais e os etnicamente chineses. Em menos de um ano, e com o apoio direto de governos acidentais, mais de um milhão de “comunistas” foram assassinados.

O exército usou paramilitares e gangsters para executar os assassinatos. Desde então, estes homens estão no poder, e continuaram a perseguir seus oponentes. Quando encontramos esses assassinos, eles orgulhosamente nos contaram histórias sobre o que eles fizeram. Para entender o porque, pedimos que eles criassem cenas dos assassinatos da maneira que eles quisessem. Esse filme acompanha esse processo, e documenta suas consequências.

O que se segue são mais de duas horas de puro terror psicológico. Os relatos são cruelmente francos não apenas pela certeza de impunidade, mas principalmente porque esses homens estão há décadas sendo considerados heróis e parabenizados pelos seus atos. Logo, falar de punição sequer faz sentido para alguns deles, pois o que eles realizaram foram atos de heroísmo.

O ingênuo criminoso que está no centro do filme, Anwar Congo, só passa a questionar os próprios atos quando fica na posição da vítima na reconstrução de uma das cenas e assiste a gravação posteriormente. Só então ele se pergunta: “Será que pequei?”

Vários paralelos podem ser traçados entre esses dois filmes, e também entre eles e a própria história brasileira ao longo da Guerra Fria: golpe militar, luta armada da esquerda, medo irracional do comunismo. Mas o que me interessa aqui é a forma pela qual as violentas ações dessas pessoas são justificadas.

Radicais Livres

Os radicais da Facção Do Exército Vermelho/Grupo Baader-Meinhof estavam dispostos a matar em nome de seus ideais. Ainda acho um tanto nobre uma pessoa estar disposta a morrer em nome dos próprios ideais, mas nada lhes dá o direito de tirar a vida de outrem em nome deles. É uma contradição quando uma pessoa diz que está disposta a “sacrificar” uma vida alheia: qual o sacrifício dessa pessoa se é outro que está morrendo?

Apesar de estarem em um país democrático, a narrativa que a Facção do Exército Vermelho utilizava para justificar suas ações era a de que eles estavam em guerra contra o Estado “fascista” (note como os termo “comunista” e “fascista” podem ser utilizados para generalizar e demonizar um determinado grupo “inimigo”).

Em casos como esse, a vontade de partir para a luta armada nasce da insatisfação com o processo democrático, seja porque esse processo realmente esteja comprometido ou porque os “rebeldes” não estão dispostos a fazer concessões e querem que o mundo seja exatamente como eles acham que devem ser. Isso pode ocorrer tanto à esquerda quanto à direita, e isso pode utilizado como justificativa para violência em qualquer contexto.

No caso do genocídio na Indonésia, houve um papel central da propaganda anticomunista. Os gangsters contratados para as execuções podiam já ter tendências a cometerem crimes violentos, mas eles precisavam de uma boa justificativa para realizar a matança sistemática de “comunistas”, principalmente chineses, que eles realizaram.

E nem todos eram gangsters: muitos eram apenas jovens que queriam fazer a sua parte para garantir a segurança da pátria. Além das ordens do exército, eles tinham um popular filme que mostrava os comunistas como monstros cruéis que queriam destruir as famílias e o país. No documentário, Anwar Congo revela que não se sentia culpado por aqueles assassinatos porque é como se estivesse matando um daqueles comunistas do filme. O tal filme serviu como justificativa não apenas para os assassinos, mas também para a população que os apoiou e os considera heróis.

A propaganda anticomunista durante a Guerra Fria pode ser considerada um fantástico caso de sucesso, comparável apenas à propaganda nazista do Terceiro Reich. Ainda hoje, uma paranoia dificilmente justificável paira sobre a nossa sociedade. Quantos sentiram um frio na espinha ou ficaram alarmados apenas ao ler o título desse post? Quantos vão tentar justificar que o comunismo é um perigo real e imediato? Quantos ainda estão combatendo a “ameaça vermelha”?

Enquanto alguns levam isso a sério, outros tentam lidar com essa paranoia por meio de divertidas sátiras, sejam nas mídias sociais, ou em outros meios. Uma das mais divertidas que já vi está prestes a virar filme e vem de Portugal. O Capitão Falcão combate vilões comunistas que utilizam foices e martelos como armas:

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