Crítica: Rede de Ódio

Sala samobójców. Hejter, Polônia, 2020



Rede de Ódio é um longo e nada sutil alerta sobre o que pode acontecer na atual era de redes sociais e notícias falsas

★★☆☆☆


A premissa de Rede de Ódio poderia resultar em um ótimo thiller político ou em um enxuto estudo de personagem, mas o resultado final é um exagerado suspense sobre obsessão que não adiciona muito a esse subgênero e que se arrasta por mais de duas horas de duração. Isso só não será um problema para quem realmente se conectar com o protagonista Tomasz (Maciej Musialowski) e ignorar todas as distrações ao seu redor.

O personagem em si é muito bem composto e interpretado, mas o roteiro insiste em colocá-lo em situações cada vez mais dramáticas e exageradas, a ponto de Rede de Ódio quase se tornar um thriller de ação. Mais do que o retrato de uma mente perturbada, o filme acaba se tornando “a grande saga do grande vilão manipulador Tomasz”, explorando cada vez menos a sua humanidade e cada vez mais a sua “monstruosidade”.

Inicialmente, não é possível dizer se Tomasz é vítima de uma incompleta formação moral ou se sofre de algum nível de sociopatia, mas, à medida que a narrativa progride, seu comportamento vai ficando cada vez mais parecido com o do óbvio sociopata do filme O Abutre. A mentira e a manipulação parecem vir naturalmente para ele, que se preocupa apenas em atingir seus objetivos de curto prazo e parece jamais calcular as consequências e efeitos colaterais de seus esquemas.

Parte disso se deve ao fato de que suas motivações se originam muito mais do ressentimento do que de um autêntico desejo de poder. O ímpeto controlador está lá, mas suas ações são resultantes de uma falha em processar as frustrações causadas por sentimentos e expectativas não correspondidos. O que a maioria das pessoas processa por meio da tristeza seguida de superação, Tomasz processa por meio da tristeza seguida de retaliação.

Um dos motivos pelos quais ele não consegue seguir em frente com a vida é sua obsessão com a família Krasucki, especialmente pela jovem Gabi (Vanessa Aleksander), seu interesse amoroso. Se toda a sua criatividade e determinação fossem aplicadas no desenvolvimento de sua própria vida, ao invés de sabotar as vidas dos outros, ele poderia deixar os elitistas Krasucki para trás e se tornar algo muito melhor. Porém, Tomasz está aprisionado em seu próprio transtorno.

O lado “thriller político” de Rede de Ódio poderia ser explorado a partir do momento no qual o protagonista começa a trabalhar em uma agência de marketing que não passa de uma troll farm, ou uma “fazenda de trolls“. Se explorasse uma trama focada nesse ambiente de trabalho, o filme poderia dialogar de forma mais direta com documentários como Depois da Verdade: Desinformação e o Custo das Fake News (crítica aqui) e Privacidade Hackeada (crítica aqui), ou com o livro A Máquina do Ódio, lançado recentemente no Brasil (veja o bate-papo de lançamento aqui).

Além dos aspectos citados anteriormente, Rede de Ódio ainda inclui outros temas, como a ascensão da extrema-direita na Europa, o uso de manipulação online pelos dois lados de uma campanha eleitoral e a exploração da instabilidade e da paranoia de pessoas mentalmente e socialmente fragilizadas (e com acesso a armas de fogo). No fim das contas, acabam sendo elementos demais para serem inseridos em um único filme.

Rede de Ódio funciona muito bem como uma elaborada ficção ambientada no mundo das fake news, mas os aspectos mais exagerados acabam retirando parte do peso de qualquer mensagem que ele pretende transmitir. Ao focar em um personagem que é, essencialmente, um vilão, o roteiro abre mão de muitas das complexidades que poderiam ser exploradas nesse novo ambiente político e midiático, e limita a produção a ser apenas um (longo e nada sutil) alerta sobre o tipo de coisa que pode acontecer nessa nova realidade.