Crítica: O Agente Secreto

O Agente Secreto, Brasil/França/Alemanha/Holanda, 2025



Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes

★★★★★


A hipnótica reconstrução de época que o diretor Kleber Mendonça Filho havia feito em Aquarius é levada a outro patamar em O Agente Secreto. Assim como seus trabalhos anteriores (como Bacurau), essa nova produção tem uma forte identidade brasileira e pernambucana, realçando elementos familiares para o público nacional. O filme também conta com incríveis elementos de suspense, que o diretor poderia ter levado para uma abordagem tão “tarantinesca” quanto a de Os Enforcados, mas que ele prefere manter mais próxima do drama e da tensão de Onde os Fracos Não Têm Vez ou de O Homem da Máfia.

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Sem pressa e intercalando momentos de suspense com momentos de humor e de contemplação, a trama vai caminhando pela Recife de 1977, acompanhando o protagonista Marcelo (Wagner Moura) em sua nova vida no Edifício Ofir e em seu novo trabalho em uma repartição pública. Sob os cuidados de Dona Sebastiana (Tânia Maria), ele e os outros moradores do Ofir mantêm suas verdadeiras identidades em segredo para se protegerem de diversos tipos de violência.

A narrativa de O Agente Secreto vai então revelando pouco a pouco a atual situação da vida de Marcelo e como ele chegou a esse ponto. De repente, ele vai enxergando a cidade com outros olhos, sobrepondo a vida que ele tinha anos antes, e que agora só existe em suas memórias, com a paranoia e os diferentes tipos de saudade que ele enfrenta nessa nova situação. Tudo isso fica ainda mais vivo e autêntico graças a uma fantástica cinematografia e a uma inacreditável direção de arte, deixando o espectador com a impressão de que o filme foi feito na época em que ele se passa.

Em determinado ponto, Marcelo se senta em uma pequena sala e conta a revoltante história de como ele fez um poderoso inimigo e se tornou um homem procurado. É uma história que se embaraça com a situação política durante a ditadura militar brasileira e com os tipos de corrupção que se alastraram junto com ela. Não é que Marcelo se opôs ou entrou em conflito com o governo militar, mas sim que ele se tornou uma pedra no sapato de um dos “parasitas” desse governo.

O que a trama de O Agente Secreto nos lembra é de que a ameaça dos regimes autoritários não vem apenas do governo central, mas também de todos os apoiadores desses regimes que se consideram acima da lei e são protegidos por um Estado inerentemente corrupto. Na história, esse é o caso do empresário Ghirotti (Luciano Chirolli), do delegado Euclides (Robério Diógenes) e do ex-militar e assassino profissional Augusto (Roney Villela). É o que ficou conhecido no Brasil como o “autoritarismo do guarda da esquina“.

Para os personagens citados, é a turma deles que está no comando, e, por isso, eles podem tudo. Foi assim que centenas pessoas acabaram sendo mortas ou “desaparecidas” pelos agentes que representavam o regime nas ruas, além dos muitos casos de tortura e de prisões arbitrárias. Esse tipo de situação também já foi muito bem representada em filmes como o argentino O Segredo dos seus Olhos e o indonésio O Ato de Matar.

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É interessante notar que, assim como O Agente Secreto, alguns outros dos melhores filmes de 2025 também são épicas viagens cinematográficas pelos caminhos da memória, refletindo não apenas sobre situações sociopolíticas mas também sobre relações entre pais e filhos. É o caso, por exemplo, do drama e do terror de produções como Pecadores, Extermínio: A Evolução e Frankenstein. Nesse sentido, também há paralelos com produções como Uma Batalha Após a Outra e Sirât.

Enquanto Extermínio: A Evolução traça paralelos entre o passado, os mitos e o presente da Inglaterra, Pecadores leva o espectador por uma jornada a um passado que nos ajuda a entender o presente dos EUA. Tanto esses quanto os outros filmes citados estão muito mais interessados nas curvas do caminho do que no êxtase da chegada. Pecadores e Um Batalha Após a Outra até possuem desfechos hollywoodianos, mas o caminho até eles é bem mais interessante do que os clímaxes em si.

Assim, O Agente Secreto se junta a eles ao nos oferecer um desfecho muito mais “brasileiro” do que “explosivo”, traçando paralelos entre o passado e o presente do Brasil. Depois de incríveis momentos de suspense e de drama que deixam várias vidas despedaçadas e vários corpos pelo caminho, os momentos finais da trama nos revelam que a história toda acabou ficando meio esquecida, com poucas pessoas se lembrando daquelas vidas vividas e daquelas mortes ocorridas.

É um esquecimento que permite que a vida siga em frente, mas que também permite que as tragédias e as injustiças sigam se repetindo.

Assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.