Crítica: Steve

Steve, Irlanda/Reino Unido, 2025



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★★★★☆


Não é por acidente que Steve possua várias semelhanças com Pequenas Coisas Como Estas. Além dos dois filmes serem dirigidos por Tim Mielants e serem estrelados por Cillian Murphy e Emily Watson, ambos tratam de assuntos relacionados a como as nossas sociedades tratam adolescentes (vistos como ou realmente) problemáticos. Os dois casos apresentam histórias com escopo limitado e escala reduzida, mas que ecoam por temáticas muito maiores e universais.

Nesse sentido, essas narrativas chegam a lembrar o drama A Escavação, que também faz uso de uma singela história para nos lembrar da grandiosidade do tempo, do universo e da nossa própria existência.

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Ambientada na Inglaterra de 1996, a trama acompanha um período de aproximadamente 24h na vida de Steve (Cillian Murphy), o diretor de um precário internato para garotos que cometeram atos de delinquência e que possuem problemas de comportamento. A instituição possui uma equipe extremamente reduzida e está sempre à beira do fechamento. Nesse dia específico, a escola recebe a visita de uma equipe de reportagem que questiona a aplicação de dinheiro público no local e que claramente não acredita na missão aceita pelos funcionários.

Os pontos de vista dessa equipe de jornalistas podem ser considerados representações de como as pessoas em geral enxergam esses jovens. Para muitos, eles não passam de estorvos para a sociedade e devem ser, de alguma forma, “descartados”. Isso lembra a forma com a qual pessoas com doenças mentais podem ser tratadas em muitos lugares, o que nos leva às tramas de filmes como Um Estranho no Ninho e Bicho de Sete Cabeças.

Porém, Steve e sua equipe, que inclui as professoras Amanda (Tracey Ullman) e Shola (Little Simz), os enxergam como seres humanos que precisam de ajuda e orientação. Esses garotos agressivos e impulsivos realmente podem se tornar assassinos, ladrões, traficantes de drogas ou estupradores, assim como podem se tornar professores, engenheiros, programadores ou cientistas. Essa é a diferença que o corpo docente busca fazer, tentando evitar que as piores possibilidades se concretizem para eles.

Por mais que isso pareça exagerado, essa é a forma que esses professores e que a psicóloga Jenny (Emily Watson) possuem de tentar “salvar o mundo”, ou pelo menos de torná-lo um lugar mais seguro para seus filhos e para as próximas gerações. Ao ajudar esses jovens a desenvolverem inteligência emocional e canalizarem suas energias para aplicações construtivas, o esforço deles ecoa pelo espaço e pelo tempo de formas extremamente positivas. Por outro lado, abandoná-los à própria sorte é equivalente a jogar dados com o futuro da humanidade.

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Tudo isso faz com que Steve possa ser visto como uma espécie de complemento para a minissérie Adolescência, que se tornou um fenômeno de público e de crítica em 2025. As duas produções mostram como garotos que não são capazes de lidar com suas próprias inseguranças e frustrações acabam recorrendo à agressividade e à violência para expressarem seus descontentamentos. Esse é um tipo de problema que não deveria preocupar apenas a pais e educadores, mas à sociedade em geral.

Em Steve, um dos exemplos de todo o potencial positivo e todo o potencial negativo desses garotos é Shy (Jay Lycurgo), um adolescente que possui uma aguçada visão de sua realidade mas que também está à mercê de de crises de agressividade e de depressão. Em determinado ponto, fica claro que sua própria família já não possui interesse em lidar com ele, fazendo com que os docentes e os outros alunos da instituição se tornem a única rede de apoio e a única fonte de afeto que ele possui.

Mas o grande foco da história são as lutas externas e internas enfrentadas por Steve. Enquanto os garotos não facilitam seu trabalho e forças externas à instituição vão criando cada vez mais empecilhos, ele vai ficando cada vez mais com a impressão de que está travando uma batalha perdida, permitindo que seus demônios internos e suas inseguranças influenciem seu comportamento. Acontece que acompanhar o crescimento e a evolução desses jovens também serve como um fonte de conforto e de esperança para o próprio Steve, que acaba se sentindo culpado por muitas das falhas da instituição.

Temáticas como essas já foram tratadas muitas vezes no cinema, como em Ao Mestre com Carinho, em Mentes Perigosas ou no recente Os Rejeitados. Ainda assim, Steve consegue se diferenciar e fugir dos clichês ao não focar em uma história específica de superação, mas sim na constante e ingrata batalha que esses professores e outros profissionais precisam travar em prol de um mundo melhor. O resultado é um filme intenso e emocionante, mas que chega a ficar extremamente pessimista em alguns momentos.