A Viagem de Samuel L. Jackson pela História da Escravidão Negra


Na minissérie documental Escravidão: Uma História de Injustiça, o ator Samuel L. Jackson parte em uma jornada pelo mundo para encontrar suas raízes africanas e para entender as várias faces do comércio transatlântico de escravizados. Com a ajuda da apresentadora Afua Hirsch e do cineasta Simcha Jacobovici, os episódios abordam as culturas, os aspectos econômicos, a resistência e os aspectos legais envolvidos na escravatura na Europa, na África e nas Américas.

Além das frentes narrativas apresentadas por Jackson, Hirsh e Jacobovici, a minissérie também acompanha o DWP (Diving With a Purpose, que significa Mergulhando com um Propósito), um grupo de mergulhadores focado na exploração de navios negreiros naufragados. Encabeçada por Kramer Wimberley, Alannah Vellacott e Kinga Philipps, a equipe recupera artefatos e reconta acontecimentos com a ajuda de historiadores, arqueólogos marinhos e mergulhadores especializados. A maioria dos mergulhos possui um valor muito mais simbólico do que histórico, ajudando tanto os participantes quanto o espectador a se conectarem com o sofrimento dos escravizados durante aquelas viagens.

Ao invés de uma abordagem direta e objetiva, a montagem de Escravidão: Uma História de Injustiça está muito mais próxima da de um típico reality show, usando os mesmos truques televisivos para criar drama e suspense. Isso pode ser um pouco irritante, mas essa linguagem ajuda a aumentar o alcance da produção e a atingir públicos que normalmente não estariam interessados nesse tipo de série. E isso é muito mais importante do que parece.

Um dos motivos pelos quais a escravatura perdurou por vários séculos é que seus aspectos mais brutais e desumanos estavam longe dos olhos da maior parte da população. Quando os ingleses adoçavam seu chá ou seu café, muitos deles nem imaginavam as crueldades às quais milhares de pessoas foram submetidas (tanto nos navios quanto nas plantations) para que eles pudessem desfrutar daquele momento agradável. Foi a partir do trabalho de abolicionistas como Thomas Clarkson e da popularização da prensa móvel (graças a sua mecanização) que a realidade dos escravizados chegou a muitos nobres e a cidadãos comuns, gerando uma onda de oposição à escravatura.

Enquanto no primeiro episódio, intitulado Culturas Perdidas, os apresentadores mostram as culturas que foram deixadas para trás e apagadas das memórias dos escravizados e de seus descendentes, no segundo, Racionalização, eles exploram as diferentes lógicas que faziam com que a escravização de pessoas parecesse justificável tanto para europeus cristãos quanto para os próprios africanos, que capturavam e vendiam seus conterrâneos para os comerciantes de escravos. A série mostra que foi na Espanha que o conceito de “sangue puro” foi oficializado, permitindo a discriminação contra não-brancos mesmo se eles fossem cristãos.

No terceiro episódio, Siga o Dinheiro, a apresentadora Afua Hirsch vem ao Brasil. Além de uma plantação de cana-de-açúcar em Pernambuco, ela também visita o Cais de Valongo e o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos no Rio de Janeiro, onde ela conhece um pouco da História do Cemitério dos Pretos Novos. Dado o volume de escravizados que foram trazidos para o Brasil, o episódio inteiro poderia ser dedicado ao país. Porém, o episódio tem outros aspectos para abordar: Jackson conhece um pouco mais sobre os aspectos econômicos da escravatura na Inglaterra; Jacobovici visita a Espanha e Portugal; e a equipe da DWP conhece um engenho de açúcar no meio da selva amazônica no Suriname.

Os dois últimos episódios, Resistência e Abolição, mostram não apenas que houve bastante resistência negra contra a escravidão, mas também que os próprios negros foram grandes responsáveis pelo fim da escravatura. Eles lutaram em guerras, estabeleceram rotas de fuga e levaram a opinião pública e figuras políticas a apoiarem a causa abolicionista. Sem isso, nenhum político jamais haveria enfrentado os interesses econômicos dos produtores rurais em nome de interesses humanitários.

Escravidão: Uma História de Injustiça é importante não apenas para contextualizar a escravatura, mas também para nos lembrar de que esse não é um passado antigo e distante. Os crimes cometidos naquele período ainda influenciam as vidas dos descendentes dos escravizados, seja por meio da desigualdade social, seja por meio da exploração do trabalho, tanto no campo quanto na cidade.

A forma como muitos empregadores tratam seus empregados revela uma mentalidade de desumanização do indivíduo e de indiferença em relação ao bem-estar do trabalhador. Quando uma pessoa mantém o controle sobre outra por meio de dívidas impossíveis de serem pagas ou de outros tipos de pressão econômica, podemos perceber que potenciais escravizadores ainda estão entre nós e ainda acham aceitável aquele tipo de exploração. No Brasil, a escravatura durou o suficiente (até 1888, quase chegando ao Século 20) para deixar muitos registros fotográficos dos rostos das pessoas escravizadas e da realidade na qual elas viviam. É importante que essas realidades não sejam esquecidas pelo povo brasileiro, pois elas fazem parte da nossa História.

* A versão original de Escravidão: Uma História de Injustiça, com seis episódios, estreou no Brasil no canal National Geographic em 20/11/2020. Uma versão reduzida e reeditada, de quatro episódios, foi exibida pela BBC no Reino Unido.

Siga ou compartilhe: