Verde e Amarelo: A Corrida do Ouro e a Corrida da Vida


A notícia da importante descoberta espalhou-se com extrema rapidez. De todas as partes do Brasil afluíram nuvens de aventureiros, de desertores, de criminosos perseguidos pela Justiça, e, dentro em pouco, esses indivíduos foram seguidos por grande número de europeus, quase tão perversos como eles. Os paulistas possuíam algumas ideias generosas, das quais não podia compartilhar essa malta de homens sem escrúpulos, escória de Portugal e do Brasil; todavia, não se pode negar que o hábito de viverem cercados de numerosos escravos, suas caçadas aos indígenas, a licenciosidade a que se entregavam, longe de toda a vigilância, no meio dos desertos, tenha contribuído fortemente para sua corrupção. Todos os vícios, parece, tiveram morada na região das minas. Todas as paixões desencadearam-se ali; ali se cometeram todos os crimes.
Auguste de Saint-Hilaire, Segunda viagem a São Paulo e quadro histórico da província de São Paulo (download)

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Nos últimos anos do Século 17, a descoberta oficial das minas brasileiras deu origem a uma corrida do ouro que ajudou a moldar a formação do Brasil. Estima-se que a população de 300.000 habitantes de 1700 subiu para mais de 2 milhões até 1750 e mais de 3 milhões até 1800. Porém, nem todos esses “aventureiros” tiveram sucesso na empreitada, pois estavam tão preocupados em encontrar riqueza que se esqueceram de um recurso ainda mais essencial: comida.

Esta invasão súbita provocou a primeira grande crise: a fome dos anos de 1697-98. Chegando as levas, com reservas alimentícias apenas para a viagem, numa região totalmente selvagem, o resultado foi a escassez de alimento ante a desproporcional quantidade de bocas a alimentar. (…) Atropelo dramático de homens, fugindo da fome e abandonando as minas, enquanto outros chegavam para logo em seguida aumentar o número dos desesperados.
– Virgílio Noya Pinto, O Ouro Brasileiro e o Comércio Anglo-português (download)

As poucas roças e as poucas criações de animais que eles prepararam estavam longe de ser o suficiente para alimentar as massas de exploradores e escravizados que trabalhavam na região. As situações mais graves, registradas nas cartas do governador Artur de Sá Meneses ao rei de Portugal, ocorreram ainda nos anos 1690. O total desespero é mencionado por Artur de Sá para explicar que o sucesso da exploração não havia sido ainda maior devido à catástrofe humanitária.

E é sem dúvida que renderia uma quantia muito grande se os mineiros tivessem minerado este ano, o que não lhes foi possível pela grande fome que experimentaram, que chegou a necessidade a tal extremo que se aproveitaram dos mais imundos animais, e faltando-lhes estes para poderem alimentar a vida, largaram as minas, e fugiram para os matos com os seus escravos, sustentando-se com as frutas agrestes que neles achavam.
– Artur de Sá Meneses, carta de 20 de maio de 1698 à Corte

Em outros trechos e em outras cartas, o governador e outros cronistas entram em mais detalhes sobre o nível de desespero e sobre o clima de “terra sem lei” que dominava o local. Dentre os “animais imundos” consumidos pelos mineiros estavam cobras, sapos, lagartixas e tanajuras, além de “bichos mui alvos criados em paus podres”, cuja ingestão podia ser fatal. Tal situação também aumentava a ocorrência de violências, com as pessoas dispostas a matar por uma espiga de milho ou por outros alimentos.

Partiam sem provimento algum, e muitos acabaram de fome, sem remédios, e houve tal que matou ao seu companheiro por lhe tomar com a sua tenaz de pau uma pipoca de milho que do seu borralho saltou para o do outro, dos poucos grãos que cada um tinha para alimentar a vida naquele dia, aprovando-se, por este caso, com realidade, o provérbio comum de que a fome não tem lei.
– Bento Fernandes Furtado, filho do bandeirante Salvador Fernandes Furtado

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A violência culminou na Guerra dos Emboabas, série de conflitos nos quais os bandeirantes paulistas tentaram expulsar os forasteiros da região das minas.

Já a exploração ajudou a acelerar a degradação ambiental. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, todo o litoral era coberto por uma gigantesca floresta tropical, a Mata Atlântica. Hoje, o que resta é apenas uma sombra da imponente floresta que ela foi um dia. Esse é um assunto muito relevante para os dias atuais, pois o desmatamento de uma outra floresta gigantesca e imponente segue a passos largos. A preservação da Floresta Amazônica é importante não apenas por motivos econômicos, mas também por motivos estratégicos para o posicionamento do Brasil no mundo e para a sobrevivência da humanidade.

O grande desafio é desenvolver a exploração econômica da Floresta Amazônica de formas sustentáveis e que tragam ganhos significativos para a população local. A exploração das minas e da Mata Atlântica gerou muita riqueza para poucas pessoas, trazendo muito mais problemas do que soluções para os habitantes locais. No caso das minas, os efeitos são dramáticos até hoje, com os rompimentos das barragens de dejetos de mineração de Mariana e Brumadinho custando vidas e contaminando severamente as terras e as águas ao seu redor.

Esses foram desastres causados pela mineração legalizada. Já a mineração ilegal, que ocorre em forma de garimpo, segue provocando um desastre ainda maior. Na Amazônia, a área devastada pela mineração até agosto de 2021 já supera todo o ano de 2020. Outra forma de exploração ilegal da floresta é pela venda da madeira extraída para compradores internacionais.

Essas são práticas que remontam aos primeiros séculos da colonização portuguesa, quando o Brasil se destacava como uma grande reserva extrativista de madeira e de minerais. A História vai se repetindo em câmera lenta enquanto muitas autoridades fazem vista grossa e os “aventureiros” da vez exploram os recursos naturais sem pensar nas consequências. A diferença é que dessa vez eles não serão os únicos a terem a sobrevivência colocada em risco. Além da savanização da Amazônia e da desertificação do Nordeste, os efeitos serão globais.

Essa matéria do Correio Brasiliense faz um bom resumo dos motivos que fazem com que o desmatamento da Floresta Amazônica seja um problema de interesse internacional:

A Terra é um sistema interconectado, e fatos aparentemente sem relação impactam em todo o globo. Como em um efeito dominó, a queda de uma peça na Antártica ou na Groenlândia, por exemplo, derrubará ilhas do Pacífico, engolidas pelo aumento do nível do mar. A Califórnia arderá ainda mais, porque o degelo faz desaguar no Oceano Atlântico água doce, e essa, em excesso, interfere em uma importante corrente regulatória do clima global.

Por sua vez, a desregulação da chamada circulação meridional de capotamento do Atlântico (Amoc), da qual faz parte a corrente do Golfo, afetará das monções indianas às precipitações tropicais. A consequência, para o Brasil, será uma Amazônia ainda mais seca. Sem esse importante captador de carbono, o mundo pode esperar a emissão de toneladas de gases de efeito estufa para a atmosfera, algo que já começa a ocorrer, porque, devido ao desmatamento recorde, a floresta chegou, recentemente, ao ponto de liberar mais do que estocar CO2.

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A questão do aquecimento global está sendo levantada há décadas, e ainda assim a humanidade já deixou a situação passar de um ponto do qual não há retorno. Tudo o que pode ser feito daqui para frente é no sentido do controle dos danos provocados por eventos extremos (calor, frio, secas, chuvas torrenciais, furacões, etc.), e muito pouco está realmente sendo feito. É como se, assim como os mineiros da nossa corrida do ouro, nós estivéssemos tão focados em obter riqueza que nos esquecemos de nos preocupar com a nossa própria sobrevivência.

Um grande surto de fome assolou as minas em 1696-1698. Muitos mineiros, com os alforjes cheios de ouro, morreram sem encontrar um pedaço de mandioca, pelo qual dariam uma pepita. Mas os horrores da fome seriam apenas os primeiros a acometer o efervescente sertão dos Cataguás e as fulgurantes “minas de Taubaté”. Enquanto a terra ia sendo escavada, novas desgraças estavam sendo fermentadas.
Eduardo Bueno, Brasil: Uma História

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