Crítica: Vidro

Glass, EUA, 2019



Diretor encerra a trilogia com filme mais interessante do que empolgante

★★★☆☆


Enquanto no final de Corpo Fechado o espectador reagiu com “UAU!” e nos últimos instantes de Fragmentado (crítica aqui) algumas pessoas pularam da cadeira ao perceber que o filme se passa naquele mesmo universo, o desfecho de Vidro causa no máximo um “ok, entendi”. O diretor M. Night Shyamalan termina sua trilogia com uma obra que possui muitas ideias e poucas emoções para compartilhar com o público.

Ao fazer de toda a narrativa um instrumento para veicular certas ideias e desconstruir o gênero de filmes de super-heróis, o diretor se esquece de contar uma história que realmente tenha alguma ressonância com o espectador ou, até mesmo, com o mundo real. O resultado acaba sendo um estudo quase acadêmico dos temas abordados, exigindo não apenas a atenção mas também a boa vontade do espectador para se manter interessado.

Os problemas começam já nos momentos iniciais, com cenas desconexas que jamais compõem uma introdução. A narrativa pressupõe que o espectador já sabe tudo o que precisa saber sobre os outros filmes e foca em mostrar, de forma demasiadamente expositiva e a toque de caixa, o status atual dos personagens apresentados nos dois filmes anteriores. Isso acontece dessa forma justamente porque, para apresentar suas teses, o diretor precisa que eles estejam em uma situação completamente diferente.

Não demora até presenciarmos o primeiro confronto entre David Dunn (Bruce Willis) e a Fera/Horda (James McAvoy). O suspense e a ação que permeiam momentos como esse são alguns dos elementos mais recompensantes do filme, apesar do diretor estar claramente mais interessado nos outros aspectos da história.

A batalha acaba rapidamente e logo os três protagonistas estão exatamente onde o diretor precisa deles: confinados em um hospital psiquiátrico sob o controle da dra. Ellie Staple (Sarah Paulson). O Senhor Vidro (Samuel L. Jackson) já se encontrava na instituição há muitos anos, então o roteiro só tem o trabalho de colocar os outros dois personagens lá para dar início ao prato principal.

É também nesse ponto que o roteiro começa a apresentar a maior quantidade de furos. Toda a justificativa para o internamento na instituição e para a missão da dra. Staple é, no melhor dos casos, rasa. Nenhum detalhe sobre a custódia ou a situação legal dos internos é abordado, assim como não fica clara qual é a relação entre a doutora e as autoridades. Isso dá um ar meio “mágico” à internação, exigindo que o espectador aceite que eles simplesmente estão lá e que Staple é a única responsável por eles.

Os atos de Staple também desafiam a lógica. Se ela não acredita que essas pessoas possuem super-poderes, por que o esquema super-reforçado de segurança? Como ela explica isso para os outros doutores (que, inclusive, jamais aparecem, apesar da instituição ter outros pacientes) ou para as autoridades? Como ela justifica, oficialmente, os custos?

No geral, a impressão que fica é que apenas as regras do mundo real que são convenientes para a trama (como o trabalho dos enfermeiros) são válidas no mundo de Vidro. Isso é muito problemático para essa obra, pois um dos principais motes da trilogia (e da cinematografia do diretor) é trazer o fantástico e o místico para o mundo real. Mas com um mundo real inverossímil, o que fica é apenas a fantasia.

A narrativa só volta a esquentar quando o Senhor Vidro sai de seu estupor e coloca seu grande plano em movimento, o que provê alguns dos momentos mais instigantes da trama. Entre surpresas e reviravoltas, Shyamalan faz um ótimo uso de um vilão cujos “super-poderes” são inteligência, paciência e obstinação acima da média. Se os poderes de Dunn e da Fera são os mais chamativos, os do Senhor Vidro são os mais impressionantes de se ver em ação.

É claro que o personagem é ajudado pela presença de tela e pelo talento de Samuel L. Jackson. Chega a ser um alívio quando ele toma conta da narrativa de Vidro. Até esse ponto, a responsabilidade estava com a dra. Staple de Sarah Paulson, mas a personagem foi escrita de uma forma que nem a talentosa atriz consegue salvar. Já James McAvoy repete sua hipnotizante performance de Fragmentado, enquanto Bruce Willis vai no automático e é o mais apagado do quarteto.

Infelizmente, os bons momentos do clímax têm um desfecho que tenta desconstruir o gênero mas que acaba sendo, acima de tudo, decepcionante. As ideias estão lá, mas o aspecto emocional não funciona. Depois disso, o que se segue é um longo epílogo que visa reconstruir o mito dos heróis, mas nesse ponto o espectador já não se importa e quer apenas que o filme termine logo.

Comentários com Spoilers

Um dos maiores atrativos das histórias de super-heróis é a grandiosidade dos atos sendo mostrados. Depois de longas jornadas e muitos obstáculos superados, os heróis se veem finalmente diante de um grande inimigo e vão até as últimas consequências para derrotá-lo. Mesmo que pereçam no fim, eles partem com a certeza de que obtiveram uma grande vitória ou, pelo menos, lutaram uma honrada batalha.

Mas não é bem isso o que ocorre no final de Vidro. Por algum motivo que ainda me escapa, Shyamalan não apenas resolveu matar seu trio de protagonistas, mas o fez de forma complemente anticlimática. O longo epílogo, que mostra (didaticamente) o verdadeiro plano do Senhor Vidro e como o mundo agora está ciente da existência das “super-pessoas”, não é o suficiente para tirar o gosto amargo da boca do espectador depois das três mortes.

Por mais que a trilha sonora, os enquadramentos e a edição tentem aumentar a dramaticidade da longa sequência, o fato é que: o Senhor Vidro toma um empurrão da Fera e morre; a Fera leva um tiro e morre; e David Dunn é facilmente executado por um soldado sem rosto ao ser afogado em uma poça d’água (!!!). Os dois primeiros pelo menos tiveram a oportunidade de fazer os típicos discursos à beira da morte e deixaram algumas palavras finais, o que eu não sei se é melhor ou pior.

É um final ousado, mas cuja mensagem é ambígua e desajeitada. A enxurrada de revelações e reviravoltas (organizações secretas, conexões desconhecidas entre os personagens, etc.) não ajuda em nada na captura da essência do filme. Seria Vidro um filme de super-heróis para quem não gosta de filmes de super-heróis?

Ainda que se consiga destilar algumas ideias e conceitos mais claros de Vidro, elas não representam nada realmente novo. Mesmo a humanização dos heróis e vilões já havia sido abordada em Corpo Fechado. O único ponto relevante adicionado em relação a isso é sobre a busca do Senhor Vidro por um lugar em uma sociedade que parece propositalmente ignorar a existência de pessoas como ele.

Convertido em uma especie de anti-herói nos últimos momentos, fica claro que sua luta não é nem niilista e nem contra a sociedade ou David Dunn, mas sim contra as forças ocultas que trabalham para garantir que seus poderes não venham a público. Uma vez que sermos vistos e reconhecidos são alguns dos elementos fundamentais de nossas vidas, pode-se dizer que a luta do Senhor Vidro é pela própria existência.

Infelizmente, essas ideias e os sentimentos relacionados a elas não são bem elaborados e se perdem durante a projeção. Apesar de não ser um filme completamente ruim, Vidro representa mais uma oportunidade perdida na carreira de M. Night Shyamalan.

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